Tive um
sonho. Não foi esses dias ou a pouquinho tempo. Tive o mesmo sonho de novo, um
sonho recorrente que, por mais que seja sonho me atormenta na vida real e
esmaga minha alma como uma prensa... Uma prensa que aos poucos uma entidade ou sentimento
desconhecido vai apertando e apertando.
Eu estou
andando. Geralmente meus sonhos começam assim. Eu ando ou corro, geralmente de
algo ou alguém e isso é terrível. Eu estou me vendo. Sonhos em terceira pessoa
são meus favoritos pois não passam de filme sobre você. Você vê toda a ação e
sente ela na pele, mas inconscientemente (por que é do inconsciente que tudo se
trata) você sabe que é só um sonho e nada daquilo realmente está acontecendo.
Estou andando em um grande campo gramado. A grama é verde e com orvalhos...
Parece que tem chovido, pois também estou usando um sobretudo ao melhor estilo
detetive e conforme vou andando percebo que meus sapatos estão ficando molhados
por causa de um orvalho ou outro colhido aqui e ali. Minha respiração é calma e
o caminhar também. Não parece que estou com pressa.
Depois de
andar por um tempo nesse campo gramado debaixo de um céu nublado e quase
prateado, eu começo a perceber que uma neblina está aparecendo e ficando cada
vez mais densa. Não se tem muito para enxergar, mas continuo minha caminhada
como se nada estivesse acontecendo, apenas fecho melhor o sobretudo e continuo
andando. Depois de alguns passos longos, começo a olhar para os lados. Não com
cara de perdido nem apreensivo, mas um olhar quase que determinado, como se
procurasse alguém com quem marquei de me encontrar e conforme vou caminhando e
olhando para os lados, começam a aparecer lápides, tumbas e mausoléus no
caminho. Claramente estou em um cemitério e caminho sob o olhar protetor de
anjos e divindades e acima de lágrimas de tristeza.
O gramado
vez ou outra cede espaço para uma pedra aqui e outra acolá, como se o cascalho
já tivesse sido tomado pela grama negligenciada. Eu continuo procurando e dessa
vez olho as lápides com maior cuidado, lendo seu conteúdo. Cruzo caminhos com
famílias diversas e vejo o rosto de muitas pessoas desconhecidas, mas continuo
procurando na estrada de lágrimas antigas e novas até que parece que acho o que
estava procurando. Vejo uma lápide um pouco mais solitária em meio as outras.
Uma lápide em forma de cruz e um pouco mais trabalhada, mas ainda assim rachada
e com musgo. A sua frente, vejo uma cova aberta e lá dentro um caixão fechado e
muito bonito. Tudo está confuso enquanto assisto a mim mesmo durante tal
empreitada, é apenas um sonho e seu sentido é abstrato, mas meu coração acelera
consideravelmente ao ver o nome na lápide.
O meu nome.
E eu
assisto a mim mesmo lamentando sobre meu corpo, morto a sabe-se lá quanto
tempo. Também vejo meu eu vivo como se conversasse com meu eu morto e seu tom é
de escárnio, as vezes ódio e de vez em quando tristeza. Mas ele discorre sobre
que rumo tomamos. Por que tomou as decisões que tomou? Qual foi o sentido de
sua vida no fim das contas? O que você fez de significante? Por que ninguém
importante para nós apareceu lá? Ele faz as perguntas e as vezes ele mesmo tem
a resposta, mas mesmo assim não as entende como tal. No fim das contas ele fica
quieto e sonda a minha cova. Nossa cova. Ele cospe nela e olha para mim, o
espectador solitário e silencioso desse tempo todo, e lança a pergunta:
- O que
diabos você tem feito? - Seu olhar é penetrante e repreensor.
Fico com
medo por não saber a resposta.
"Vejo uma lápide um pouco mais solitária em meio as outras." |