O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Fredo


            Todos nós gostaríamos que nossa vida fosse um filme. Nos filmes tem todo um desenvolvimento empolgante na história, onde os heróis, que seríamos nós, somos introduzidos ao público, mostramos nossa vida, passamos por dificuldades e tudo fica lindo no final. Se tudo fosse um filme os dias ficariam lindos quando algo lindo fosse acontecer, choveria quando alguém morresse e nevaria naquele momento de reconciliação com a pessoa que você ainda ama. Tudo com direito a uma trilha sonora. Infelizmente na vida real só podemos colocar os fones de ouvido e achar que aquilo é uma trilha sonora para um dia como qualquer outro em que está ensolarado mesmo estando tudo um saco.  Estranhamente, as vezes acontece de algum “poder maior” ajudar a tornar tudo mais interessante. Por bem ou por mal.
            Era uma tarde de poker e de leve chuvisco no Café. O Artista, a Cineasta, Ernesto, Tremoço, Diego, o Conde e o Gótico estavam presentes em uma mesa redonda com fichas e cartas dispostas por toda a tapeçaria verde que forrava a velha mesa de madeira. O barulho das fichas se misturava ao som de copos e xicaras em pires. A conversa do resto da clientela era um som suave ao fundo e não desconcentrava os jogadores que faziam suas maiores caretas para não entregar seu jogo. A Cineasta estava ganhando. Os outros estavam dizendo que ela estava roubando.
            - São os ocúlos! – Dizia ela enquanto se apossava da pilha de fichas jogadas sobre a mesa.
            A chuva apertou lá fora e, não mais do que de repente, a porta do café se abriu levemente, trazendo consigo uma brisa fria e alguns respingos de água. Helen parou ao dar um passo para dentro do café e deixar seu guarda-chuva preto no porta guarda-chuvas. Todos mudaram os semblantes ao olhá-la toda vestida de preto e com um ar tristonho em seu rosto geralmente jovial. Ela caminhou a passos curtos em direção ao balcão, passando pela mesa de jogo. Todos, com suas feições preocupadas, pensaram em perguntar algo mas nada fizeram. Porém, enquanto o Gótico sorria tortamente, Menino Ottis perguntou:
            - Qual o motivo dessa cara, Helen?
            A mulher o olhou e sorriu com um esforço. Depois de dar um tapinha no ombro do garoto, virou seu rosto para Geléia que estava no balcão e disse com lágrimas nos olhos:
            - Fredo faleceu...
            - O cara de “O Poderoso Chefão”? – Disse o Artista, que se amaldiçoou depois de ter feito uma piada naquele momento. Ninguém riu. Helen não percebeu.
            Geléia se apressou para perto da amiga e a abraçou.
            - Fredo era um amigo nosso... – Disse finalmente após um suspiro. Viras, o cão de guarda oficial do Café, entrou e se aproximou de seu dono, sentando ao seu lado – Tudo bem, Helen, querida. Lembra-se de como Fredo era alegre? Ele não gostaria de nos ver assim... Temos que honrá-lo contando histórias a seu respeito e sorrindo ao lembrar dele. Lembro-me de uma vez...
            E Geléia começou a contar aos outros algumas histórias de seu amigo agora falecido. Helen conseguiu esboçar alguns sorrisos depois de histórias e da companhia de Viras, mas dado algum tempo ela disse:
            - Obrigado, Geléia. Agora... que tal um pouco daquele seu delicioso café para aquecer esta alma cansada? – E, como nos filmes, a chuva começava a parar e dar espaço para um sol poente que derramava sua luz nas nuvens carregadas, e trazia o tão aquecido tom laranja em todo o mundo banhado por sua luz. A cena cinematográfica foi suficientemente forte para arrancar uma lágrima do Conde.
           
            Geléia foi ao balcão com sua amiga e a serviu de seu café costumeiro. Ela o bebericava enquanto fazia carinho no cão que não deixou seu lado.
            - Tudo bem com você, Helen? Quer conversar?
            Ela depositou a xicara no pires e respondeu com um sorriso:
            - Obrigado, Geléia, mas prefiro ficar com o Viras por enquanto. Obrigado. Eu não me lembrava que você tinha tanta vivencia com o Fredo...
            O Gerente sorriu e se dirigiu a mesa de poker. Todos o olharam e começaram a dar os pêsames pela perda do amigo. O Artista disse:
            - Vocês deviam ser bem próximos... Sinto muito.
            Geléia o olhou e respondeu com o riso paterno de sempre:
            - Você acredita se eu disser que nem sabia de quem ela estava falando?

"Fredo faleceu..."

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Crenças


            Horário de almoço. O café estava sempre vazio nesta hora, afinal quem preferiria comer alguns salgadinhos e tomar um café deixando de lado a feijoada que era servida, todas as quartas, em estabelecimentos ao redor? Estavam no café apenas uns poucos clientes costumeiros e um ou outro homem de terno, daqueles que sempre diz que está sem tempo.
            Menino Ottis estava, como em poucas vezes, sentado na mesma mesa que o Artista. O jovem mantinha os dedos entre os olhos, em movimento de massagem, como se tentasse espremer alguma ideia de sua cabeça turbulenta. Outros achariam que tudo que ele estava tentando fazer era abstrair o barulho que Menino Ottis fazia com o brinquedo que havia escolhido para trazer hoje ao Café.
            - Você gostou mesmo desse tanque de guerra, hein? – Perguntou o Artista tentando soar o mais carismático possível.
            Menino Ottis olhou para o Artista com um grande sorriso e disse:
            - É um APC. Veículo de controle urbano! Tem até uma metralhadora, olha! – Fez sons de tiro enquanto mirava a arma para o Artista. – E o que torna ele melhor é que ganhei do Papai Noel no ano passado!
            - Parece bem legal mesmo! – Disse o Artista tentando voltar a atenção para o seu caderno.
            O Gótico passava ao lado com o olhar triste de sempre, uma mão parecendo uma garra e a outra carregando um copo comprido com um liquido verde dentro quando disse ao menino que brincava alegre:
            - O Papai Noel não existe, sabia?
            Um copo fez-se ouvir quebrando atrás do balcão. O silêncio se tornara uma entidade plausível e palpável. O Artista tirou sua atenção do caderno se voltando com olhos vítreos para o Gótico. A Cineasta limpava uma lagrima de seu rosto e tentava retomar o folego enquanto se aproximava da mesa para se sentar. Ottis era como um monólito. Com olhos fixados no nada, sua alma parecia um ovo espatifado no chão da cozinha. Enquanto o garoto andava em passos largos e pesados na direção do balcão, o Artista e a Cineasta confrontavam o Gótico.
            - Por que falou isso, cara? – Perguntava a Cineasta, ainda incrédula.
            O Gótico a fitou com seu clássico olhar pesado de que nada valia a pena.
            - Por que é a verdade... – Bebericou um pouco de seu absinto.
            - Ah, qual é! Todos nós aprendemos isso um dia, mas não precisa acabar do nada com as crenças do garoto! – Ela coloca de volta seus óculos.
            O Gótico estalava os lábios em gesto de degustação. Carregava o copo rente ao corpo como um faraó faria com seu cetro. Sua figura estática parecia um mau agouro ficando em pé ao lado da mesa onde os dois jovens se sentavam.
            - Mas se ele vai aprender isso uma hora ou outra, que diferença faz se aprender agora?
            A Cineasta franziu a testa.
            - A diferença é que ele vai achar a vida muito mais divertida e mágica enquanto ele acreditar no Bom Velhinho. – Disse o Artista tomando lado na discussão.
            O Gótico nem se deu ao trabalho de responder. Sabia que seus pensamentos, certos em sua cabeça, eram mal vistos por todos ali dentro.
            - Você com certeza já acreditou em algo, homem! – A Cineasta quase gritou ao saltar da cadeira para segurar a gola do Gótico.
            O homem então se lembrou. Se lembrou de quando era garoto em sua casa dilapidada que ele tanto adorava. Se lembrou do medo que ele sentia ao ouvir falar do Vampiro no sótão e nos lobisomens que rondavam a casa de noite. Lembrou-se do como a vida era emocionante naquela época em que tudo dava medo e era uma aventura correr para o sótão para buscar um brinquedo antigo ou vasculhar a história da família tão desorganizada.
            Um vento gélido soprou para dentro do estabelecimento e os óculos da Cineasta trincaram. Ela olhava para o Gótico e jurava ter visto uma lagrima de gelo caindo de seu rosto, mas não sabia se podia confirmar o ocorrido. Todos estavam em silêncio mais uma vez.
            - Acho que... Tem razão. A vida era mais mágica quando o místico ainda era real... – Disse o Gótico se dirigindo a um canto escuro que surgira de repente.
            A Cineasta e o Artista se entreolharam.
            - Na boa? Esse cara me faz questionar se não acreditamos mesmo nesse tipo de coisa... - Concluiu a jovem.
            E a contradição se fez presente em todas as mentes.

            Enquanto isso, Menino Ottis se sentava no balcão, emburrado e com seu brinquedo a sua frente. Mexeu ele para frente e para trás em desanimo enquanto Geléia limpava o balcão com um sorriso paterno em seu rosto. O sorriso foi o suficiente para fazer Ottis tomar coragem e perguntar:
            - Geléia... O Papai Noel não existe?
            O gerente o olhou, fez um carinho na cabeça do garoto e disse por fim:
            - Se ele não existisse... Quem te daria esse brinquedo que você tanto gosta?

"O Papai Noel não existe, sabia?"

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Super Poderes


Quadrinhos. Todos já leram um na vida. Seja esse quadrinho algo bobo sobre uma turminha besta ou seja esse quadrinho sobre super heróis salvando mundos inteiros ou seja ele uma, em termos de sabichão, graphic novel.  Todos tiveram um herói predileto, aquele que, mesmo você não tendo dinheiro suficiente na mesada para comprar gibis do mesmo, você sabia tudo que estava ocorrendo na vida do campeão.
              Naquela tarde de verão, as crianças estavam no café com suas coleções de gibis dispostas sobre a mesa. Gregório estava lendo uma edição de seu herói favorito, o “Alerta Negro”. Nesta edição ele usava suas artimanhas para impedir o famoso mafioso, Dr. Jurademorte. Menino Ottis adorava os clássicos e variava entre revistinhas dos maiores heróis como “Almirante Justiça” e “Leopardo Vermelho” em edições diversas com os maiores vilões. Thelma era fã de uma leitura mais descontraída e por isso estava lendo a famosa “Turma do Pestana”, e pra variar, o Pestana estava falhando miseravelmente em ser o dono da escola. K.D. lia uma cópia de “Orion: Campeão do Futuro”, um quadrinho que ele mesmo escreveu e ilustrou, demonstrando assim seu apego pela ficção científica.
Em meio a tantos super heróis, Thelma decidiu lançar um tema entre seus amigos.
              - Se vocês pudessem escolher um super-poder, qual escolheriam? – Perguntou então.
K.D. a olhou com um sorriso enorme que se fazia visível através de seu capacete de Juiz Dredd.
              - Eu dominaria a força e me tornaria um excelente mestre Jedi! - K.D. respondeu em alto e bom som.
              - O melhor que você consegue pensar é um pouco de telecinesia? – Perguntou Gregório.
- Telecinesia e raios!
- Só para o lado negro da força!
- Eu posso ir para lá quando quiser, valeu? – K.D. apontava para Gregório ameaçadoramente.
Sempre tentando quebrar o gelo e a tensão entre os amigos, Menino Ottis se fez presente:
              - Eu teria visão de raio-x!
              A reação de todas as crianças foi a mesma: cair na gargalhada. Ottis estava desacreditado com todos e seu rosto só mostrava um desconserto absoluto. Todos já choravam de tanto rir quando Thelma perguntou:
              - Mas por que diabos você quer visão de raio-x, Ottis? Com tantos poderes legais… - não conseguiu completar a frase e caiu na gargalhada de novo.
              - É um poder superlegal, tá?! - gritou nervoso.
              Gregório, enxugando uma lágrima que escorria de tanto rir, diz:
              - Super-força, voar, soltar raios, respirar embaixo d'água… até mesmo a habilidade de saber ler em braile é melhor que isso, Ottis… Imagine a situação: um monstro, senhor Godzila, ataca a cidade. O que você faria com sua visão de raio-x? Descobriria se o estômago dele está muito vazio e calcularia quantos carros ele ainda conseguiria comer?
              Todos caíram na gargalhada mais uma vez e Ottis afundava em seu assento. Em sua cabeça, as gargalhadas levaram pelo menos dois anos para pararem e quando todos estavam em silêncio e voltando a suas respectivas leituras, K.D. disse vitorioso para Gregório:
- E que fique claro que meu poder é plausível depois de “A Ameaça Fantasma”.

              Dado um tempo, Geléia veio ver se as crianças precisavam de algo e o primeiro a dizer algo foi Ottis, que bradou:
              - Geléia, me traga uma Coca-Cola bem gelada que vou encher a cara… esses paspalhos não sabem o que é superpoder de verdade…
              Todos começaram a discutir de novo até que Geléia disse após um pigarro:
              - Não liga pra eles… quando ficarem mais velhos todos vão ter inveja da sua visão de raio-x.
              A empolgação com a suposta vitória era quase palpável no Menino Ottis naquele momento.

"A reação de todas as crianças foi a mesma: cair na gargalhada."
Texto de Caio Stachi Boracini (DeviantArt de Caio)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Simples


            Era noite. Naquele momento, o café estava quase vazio. O Gótico estava em um canto encostado na janela e o Artista estava no outro canto do estabelecimento, coberto com a própria jaqueta e roncando sonoramente. Geléia estava vendo algum seriado, sem muito interesse, em um volume baixo para não atrapalhar os dois únicos clientes daquela hora. Passado um tempo, o gerente decidiu ir ao Jukebox.
            Ele olhava para os clássicos que ali viviam a tocar. O bom e velho jazz estava sempre por lá encantando sua visão no painel. Apertou uma combinação qualquer e a música começou com seus saxofones e o piano. O piano sempre foi o instrumento que fazia aquele homem gordo sorrir e parar por alguns minutos em sua poltrona apenas ouvindo um pouco da boa música enquanto o mundo rodava sem ele perceber. Sem ele querer perceber, pelo menos. Em meio a um solo suave de sax Geléia ouviu o sino da porta tocando e logo olhou para trás, se deparando com um rapaz jovem e agasalhado entrando com um rosto pesado em seu estabelecimento.
            Geléia deixou a música tocando e se dirigiu para trás do balcão onde o homem estava indo se sentar. A música era leve como os movimentos do rapaz. Carregando uma maleta em uma das mãos, ele retirou seu cachecol e o colocou sobre o balcão, no banquinho ao lado deixou seu casaco e maleta, revelando uma blusa chique com gola role.
            - Boa noite, senhor. Posso serví-lo esta noite?
            O rapaz passou a mão na blusa para retirar alguns fiapos, depois olhou para o gerente e, sorrindo, respondeu:
            - Eu gostaria de um copo de seu café gelado, por favor.
            - É pra já. – Respondeu o calmo gerente.
            Os intrumentos tocando faziam um excelente ambiente. De alguma maneira, o saxofone e o baixo relaxante pareciam dar um tom sépia ao local para onde o rapaz olhava. Um sorriso inconsciente lhe veio ao rosto ao ver que o jukebox estava ligado em uma música tão calma e ao mesmo tempo a TV revelava um noticiário que, muito provavelmente, mostrava uma desgraça ou outra.
            - É um ótimo lugar que tem aqui, senhor. – Disse finalmente.
            - Ora, obrigado. Fico feliz que os clientes gostem. É o que tenho de mais valioso em minha vida.
            O rapaz continuava a olhar em volta e o piano parecia que queria criar a trilha sonora para cada foto e decoração que enfeitava aquele local aconchegante. Geléia chegou com o pedido do moço que logo se voltou para o balcão, agradecendo. Dado um tempo e algumas notas, saltou uma pergunta:
            - É sempre assim parado por aqui?
            - Nem sempre. Hoje parece ser exceção. Mas gosto de dias assim, sabe? Parece que o mundo não existe, por mais que seja por alguns minutos de uma musica.
            O homem concordou com a cabeça e deu uma risada.
            - São bons os dias assim. - Deu um gole em seu café. – Sabe... Eu não entendo como pudemos tornar o mundo um local tão agitado. A apenas uma geração atrás tudo parecia tão mais calmo... E hoje em dia todos dizem não ter tempo para nada!
            - Sim, nunca entendi isso também. É por isso que mantenho este lugar como ele é. Simples.
            - Simples. Acho que esta é uma palavra não muito aceita nos vocabulários modernos. – Bebeu mais café. – Nós trabalhamos até nos exaurir. Mal temos tempo para nossas mulheres. Mal temos tempo para filhos por que tudo que queremos é fazer de tudo para não perder nada de nossas próprias vidas com o intuito de ganhar mais dinheiro para ter mais coisas que nunca vamos aproveitar...
            O café era aconchegante e o ambiente fez o homem fechar os olhos por um segundo. Estava falando mais do que o normal. Havia trabalhado até tarde a semana inteira e não teve tempo para coisa alguma e agora parecia que finalmente estava aproveitando o que mais gostava de fazer na vida. Ouvir um bom som e parar por alguns segundos.
            - Por isso estão todos estressados e desrespeitosos ultimamente... – Disse por fim.

            Geléia olhou para o homem com um sorriso e disse:
            - Pois é. Parece que as pessoas esqueceram que tudo o que você precisa é de um bom café em uma poltrona ao som de jazz. O mundo, às vezes, simplesmente não precisa existir.

"O café era aconchegante e o ambiente fez o homem fechar os olhos por um segundo."