O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Diálogos

            - Tudo bem. Eu troco meu “Cavaleiro da Pele de Prata”. – K.D. estava com um baralho em mãos e algumas cartas estavam colocadas sobre a mesa. Gregório e ele estavam concentrados olhando diversos tipos de cartas. – Mas só vou trocar pelo seu “Enganador da Estrela Negra”! – Ele apontou para uma carta de Gregório.
            - Impossível! Você sabe que não troco essa carta com ninguém! Ela tem ataque 9 e habilidades como Difamação e Fuzarca. Isso é essencial em qualquer...
            - Ei! – Interrompeu Thelma que estava fitando a mesa a balançando os pés que não alcançavam o chão. – Por que vocês não usam o mesmo baralho? Dividam suas cartas, oras...
            Se K.D. não estivesse usando um capacete de Darth Vader, Thelma teria medo de olhar para ele. Menino Ottis, percebendo a tensão que crescia, decidiu quebrar o gelo:
            - Caras! Vocês ficaram sabendo que o Rodolfo “Recebeu um Hitler”? – Caiu em gargalhada junto a Gregório.
            Thelma e K.D. não entenderam a piada e logo perguntaram do que se tratava “Receber um Hitler”, mas Geléia veio com seus salgados e refrigerantes e logo disse:
            - Acho melhor não falarem disso com uma dama à mesa, certo rapazes? – E partiu em direção à outra mesa, com outro assunto.

            Na mesa seguinte Diego e Ernesto pareciam altamente pensativos olhando para Tremoço fazendo poses. Diego parecia já ter desistido então estava concentrado nos amendoins servidos à sua frente. Foi em meio a mordidas altas que Ernesto arriscou dizer algo:
            -... Só consigo pensar em um avestruz!
            - Avestruz !? Ficou maluco? Este gesto claramente indica um Gorila!
            - Se quisermos que este plano dê certo precisamos melhorar sua interpretação – Ernesto começou a sacar um bloco de notas.
            - Plano? – Perguntou Diego. – Achei que só estivéssemos brincando de mímica...
            Tremoço concordou com a cabeça enquanto Geléia trazia seus respectivos cafés.
            - Um com adoçante, um com cobertura extra e... Sua Soda Italiana, Diego.
            - Obrigado, Geléia – Ele disse com um esboço de sorriso no rosto (Para os que o conheciam, esse era um gesto digno de lágrimas de felicidade).
            - De nada. Ah, e Ernesto... Eu acho que foi um gorila bem convincente.
            Tremoço olhava triunfante para o amigo. Seu bigode, agora com chantilly, não passava respeito algum. E Geléia continuou seu percurso.

            - Mas, cara! Esse assunto é magnífico! Milhares de filmes e livros foram feitos em cima disso... Ou seja, milhões de pessoas pensam nisso! – Dizia a Cineasta levantando as mangas expondo os braços tatuados.
            Depois de um longo olhar com o rosto pesado e maquiado, o Gótico deu sua opinião:
            - É só que... Não vejo motivo para querer viajar no tempo...
            - Como assim!? Seria incrível! Você poderia conhecer o passado e saber sobre o futuro!
            - Mas o passado é uma tristeza que ecoa até hoje nos tornando o que somos... E o futuro é obscuro e terrível quando se trata de nossa natureza, minha cara...
            A Cineasta se massageou entre os olhos depois de tirar os óculos. Os colocou de volta, se debruçou na mesa e disse ao Gótico:
            - ... Eu posso te recomendar um ótimo analista, sabe?
            Quando Geléia chegou, os dois estavam se olhando com um clima tenso.
            - Aqui estão – Disse ele com o ar amigável de sempre – Um capuccino e o vinho de sempre que, incrivelmente, só você pede, meu amigo!
            - Valeu, Geléia! – Disse a Cineasta – Quem sabe com um pouco de bebida meu amigo aqui não se interesse um pouco por viagem no tempo. Geléia o olhou com um sorriso simpático e disse:
            - Assista “Primer”, meu amigo pessimista... Assista “Primer”
            E partiu.
            - “Primer”... Esse sabe o que diz! – a Cineasta sorriu e provou um gole de seu capuccino.

            Era fim de tarde e os clientes eram os costumeiros. Geléia sempre foi eficaz ao entregar os pedidos e recebe-los. Quando o sol estava se pondo e deixando atrás de si as cores mais bonitas no céu, o gerente decidiu ficar à porta do local fumando seu cachimbo para aproveitar o movimento que estagnava. Ao longe, em meio a luz ofuscante do crepúsculo, Geléia podia ver o Artista atravessando a rua e carregando algo.
            - E aí, Geléia! – Ele carregava uma caixa de papelão muito bem cuidada e envolta em papel que parecia turco.
            - Boa tarde, Artiste!
            - Cara, você por acaso conhece um tal de Dióstenes? – Ele perguntava olhando para a encomenda.
            Geléia pensou um pouco e disse:
            - Não me lembro de nenhum. Essa encomenda é para ele?
            - É... Um cara esquisito me entregou ela e disse para eu deixar aqui. Disse que você saberia o que fazer com ela.
            - Deixe no quarto lá nos fundos... Pretendo fazer uma limpeza nele de qualquer maneira.
            O Artista iria até os fundos, resistiria o impulso de verificar dentro da caixa e depois voltaria para sua mesa de costume e pediria por uma porção de pães de queijo e um café com chantilly. Geléia conhecia seus clientes e quando terminou de fumar e já estava voltando para dentro, ele deu de cara com o Artista que logo disse:
            - E que tal alguns daqueles maravilhosos pães de queijo, Geléia?
            Ele respondeu com um sorriso e os dois entraram. Sim, Geléia conhecia seus clientes, afinal eles tornavam este local o que ele era. Seu sonho.

"- Ei! – Interrompeu Thelma que estava fitando a mesa a balançando os pés que não alcançavam o chão. – Por que vocês não usam o mesmo baralho? Dividam suas cartas, oras..."

E eu posso não conhecer todos os meus leitores, mas obrigado a todos por ouvirem estas histórias e tornarem este lugar o que ele é.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Um Presente Muito Especial


O Café do Geléia também servia almoço, não todo dia, é claro, mas apenas em ocasiões especiais. Aquele era um típico dia 29, e como manda a antiga tradição, era data de comer nhoque. Ou gnocchi, como preferir.
            Todos os habituais clientes estavam presentes, a Cineasta, o Conde, o Gótico, dentre outros, aguardando ansiosamente a chegada da massa ao bufê. O Menino Ottis já havia amarrado um pano ao pescoço, para não sujar a camiseta. A refeição foi servida e estava realmente deliciosa, encheu os clientes de satisfação (menos o Gótico, que gemia a cada garfada), afinal, nada como ser bem recebido em um lugar tão diferente de onde você cresceu. Obviamente, nenhum deles era daquele lugar. O Café era notório por ser um refúgio para almas errantes, e muitas vezes, as pessoas que se conheceram e se identificaram em uma noite jamais voltariam a se ver. Nesse clima de aconchego e distância, enquanto todos conversavam, ouviu-se um lamento abafado.
            Não é incomum que alguns se emocionem naquele ambiente, mas não em um dia como esse, por isso, todos se entreolharam buscando encontrar a alma que sofria. No canto do Café, estava o Caixeiro, fitando suas botas com a cabeça baixa. Ao ser questionado sobre o motivo de sua lamentação, o Caixeiro relembrou, com um sorriso nostálgico, as épocas em que rodava as estradas de ferro vendendo mercadorias exóticas. Contou sobre o café de sua cidade natal, o Madigans, e das lindas mulheres que lá freqüentavam. Contou também sobre a infância de outrora e as amizades que a construíram com as mãos inocentes e aventurescas de filhos de artesãos e mercadores.
            A Cineasta jurou entender o que o Caixeiro sentia, mas o velho homem protestou dizendo que o que lhe afligia era diferente, ele não se encaixava mais no mundo. Suas botas artesanais, de couro claro e bem lustradas, já não eram mais objeto de inveja dos outros homens. Em que outro lugar ele poderia recomeçar, a quantos quilômetros dali estaria outra pessoa que poderia entendê-lo? Ninguém sabia o que dizer para o Caixeiro.
            Contou que viajava de trem de vez em quando, tentando se sentir vivo e ativo outra vez; disse, com risadas, que seu momento de maior glória na semana era tomar a insulina para diabetes. Em meio a tantas histórias de uma alma que já não era mais a mesma ele ganhou amigos que durariam uma noite, mas estariam sempre em uma memória tão boa quanto as velhas botas artesanais que tanto caminharam.
Aos poucos, o salão foi se esvaziando, até que só restava o Geléia limpando as mesas e observando as próprias memórias que decoravam a parede. Estranhamente, ninguém viu o velho homem sair.

            Algum tem depois o Menino Ottis relembrou o episódio:
            - O que aconteceu com o Caixeiro, afinal?
            - Não sei ao certo, mas outro dia um homem a cavalo me deixou um pacote...
            - E o que tinha nele?
            - Um presente muito especial... – disse Geléia, olhando para seus pés.

"Suas botas artesanais, de couro claro e bem lustradas, já não eram mais objeto de inveja dos outros homens."

Este texto é um presente muito especial de Walter Neto. Obrigado.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Infância

           Nada como um dia quente de verão. Para certas pessoas o calor é algo irritante só de se pensar, para outras é algo agradável que elas esperam sentir todos os dias. Para uma criança o tempo realmente não importa. Nada é motivo para deixar de aproveitar o dia.
            Mas o dia estava agradável. Um dia ensolarado, com uma brisa refrescante e nenhuma nuvem no céu fortemente azulado. Aqueles que prestassem atenção veriam crianças correndo para lá e para cá com seus brinquedos e às vezes até seus animais de estimação. Mas um grupo se destacava do resto. Se você prestasse atenção veria o Menino Ottis escondido no topo de uma arvore baixa usando um cocar e levando consigo uma espingarda de brinquedo que fazia um barulho de quebrada. Qualquer um diria que ele estava brincando de índio... Mas os adultos são muito sem graça. Ottis sabia que não estava em um parque, ele sabia também que tinha uma missão.
            Do topo da árvore ele podia ver toda a vastidão da Grande Planície. Ele estava fazendo seu turno de guarda para impedir que mais servos da Bruxa viessem até o forte. Seus amigos Gregório, Thelma e K.D. (cujo nome verdadeiro era desconhecido) estavam no forte recuperando forças e traçando novos planos para encarar os servos da Bruxa. Eles eram os últimos sobreviventes da Grande Planície. Todos os outros países já tinham sido dominados e crianças agora eram adultos sem imaginação ou cachorros com empregos e gravatas e o destino do mundo estava agora na mão deste pequeno grupo.
            A vigia estava calma. Calma demais. O fuzil laser de anti-matéria gravitacional deixava Ottis mais confiante, mas o medo nunca realmente saíra de seu coração. A Bruxa era um adversário formidável e seu exército de robôs era quase invulnerável. O vento soprando trazia sons com os quais Ottis já estava acostumado e, embora não fosse admitir se o perguntassem, ele estava quase caindo no sono com o tédio do posto que o colocaram. Mas o tédio logo foi quebrado. O vento parou e a terra tremeu. Ottis logo se levantou, segurou o fuzil com força e logo soprou a trombeta de alerta que foi escutada no forte.
            - Robôs? – Perguntou Thelma que encantava pedras com força explosiva.
            - Ottis nunca soaria a trombeta em vão! – Exclamou Gregório já se levantando e levando consigo seu Bastão Ancestral (feito com madeira da Árvore da Vida).
            Enquanto todos se levantavam, K.D. ficou para trás distraído com os dados que analisava em seu computador de bolso e só percebeu que estava ficando para trás depois de uma pedra atingir seu capacete cibernético. Depois do baque olhou confuso para os lados e viu Thelma parada na porta.
            - Pegue seu estilingue e venha! É hora da grande luta! – Ela correu para fora.
            - Sempre apressados! Eu estava vendo dados de luta em meu computador de batalha! – Gritou enquanto corria atrás do grupo.
            Quando todos chegaram até a arvore de vigia a terra tremia cada vez mais.
            - Cuidado pessoal! Eles trouxeram um Robô M.O.R.T.A.L. dessa vez!!! – Ottis exclamou enquanto olhava o horizonte.
            Todos olharam perplexos enquanto a multidão de ferro e eletricidade se movia em direção a eles acompanhada pelo monte assustador de metal.
            - Eles querem mesmo acabar com este território não é mesmo? – perguntou Thelma sorrindo diante do desafio.
            - O que é um robô M.O.R.T.A.L.? – Perguntou Gregório.
            - Máquina Opressora, Retalhadora e Tática de Assalto Local. É um dos robôs mais fortes da Bruxa! – Disse K.D. analisando seus dados de batalha.
            - Sem tempo para conversas pessoal! Aí vem eles! – Ottis armou seu fuzil.
            Disparos elétricos vieram na direção dos garotos. O chão era acertado com uma força absurda levantando terra e poeira no campo de batalha enquanto relâmpagos eram revidados com pedras explosivas e tiros anti-matéria. O barulho de metal retorcendo e se partindo era alto nas planícies e as crianças estavam fazendo um excelente trabalho. Mas o coração de todos foi partido ao som de uma risada estridente. Todos olharam para cima alarmados e Gregório exclamou:
            - Essa não! É a Bruxa!!! – E saltou para trás de uma moita
            - Bruxa!? Que história é essa Gregório? – Perguntou a mulher horrenda que parava entre eles e a horda de robôs.
            - Ah, mãe! Já é hora de ir embora? – Perguntou Thelma soltando sua capa de invisibilidade.
            - Sim, querida. Vamos encontrar seu pai para jantarmos. – A mãe de Thelma tentava limpar a poeira do vestido da menina.
            - Droga... É, meninos... Acho que os robôs terão que se ver com a gente na próxima...
            - Tudo bem, Thelma. – Disse Gregório enquanto acenava para ela.
            - É! Eles não terão chance da próxima vez! – Disse K.D. já sentando no chão a puxando seu baralho de Magic do bolso.
            - Então até outro dia, pessoal! – Ela correu para alcançar a mãe.
           
Ottis desceu da árvore, largou sua espingardinha, soltou um suspiro e disse:
            - Ainda bem que ela se foi. Mais alguns segundos e aquela garota iria nos trair. Certeza!
            Andou até os amigos sentados na grama e se deitou. K.D e Gregório imitaram o gesto.
            - Foi uma boa luta. – Disse K.D. soando feliz.
            - É... Sabe pessoal. Eu espero que isso não acabe nunca!
            E lá ficaram os garotos. Tramando planos e contando histórias e aproveitando a vida que sua idade lhes proporcionava. Afinal, eles tinham todo o tempo do mundo, por mais curto que ele fosse.

Mas o tédio logo foi quebrado. O vento parou e a terra tremeu.