O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Magia de Natal


            O Natal. Uma época de esperança, amor, caridade, irmandade, reunião, comida e alegria. É uma época mágica e são poucos os que podem negar o sentimento maravilhoso que fica pairando no ar durante todo o evento. Mas para alguns, para estes poucos que não conseguem sentir a magia, o Natal nada mais é do que uma época triste ou cheia de mágoa e angústia.
            Francisco era desses. Um velho amargurado, sem filhos, cuja família que lhe restava não o visitava no asilo onde vivia. Francisco fazia aniversário no Natal. Agora imagine você uma criança que como todas as outras adora ganhar presentes, ter festas com seu nome na parede ou simplesmente ter um dia especial com seus amigos onde todos saem na rua, brincam como se não houvesse amanhã e comem doces! Francisco nunca teve isso em seu aniversário. Quando era pequenino, o Natal era comemorado no lugar de seu aniversário... A família lhe dava os parabéns quando lembravam e, vez ou outra, ele ganhava um presente especial, mas os presentes vinham com o cheiro do natal. Eles eram dedicados de outra data e não da data de seu aniversário e por isso, só de vez em quando ele ouvia, depois de “Feliz Natal!” um “Parabéns!”.
            O jovem Francisco cresceu e sempre na famigerada data perto do fim do ano, o jovem franzia a testa e vestia o semblante de raiva, deixando no ar, em meio a ceia, os rostos de dúvida dos familiares enquanto pensavam: “Mas por que este menino está tão nervoso?”. Enquanto isso, Francisco nunca aproveitava sua comida. E quando ele recebia roupas e outros itens de vestuário? A frustração do garoto era palpável. Nenhuma criança gosta de receber tais itens... principalmente quando cheiram a natal e o cheiro te deixa nauseado todos os anos. Mas assim foi seguindo a vida de Francisco. Cresceu, estudou, fez amigos, namorou e fez tudo que uma criança normal faria... Mas sempre próximo ao natal ele se tornava outra pessoa.
            Não sabem se foi apenas por causa do natal ou outras tragédias da vida, mas o pobre Francisco ficou sozinho quando envelheceu. Talvez o fato de membros da família morrerem e ele ser tão distante de todos fez com que ele se tornasse tão amargurado agora na avançada idade. Por não ter com quem ficar, Francisco, após uma cirurgia ortopédica, decidiu ficar na casa de repouso em que estava. Não era rabugento, mas também não falava com quase ninguém, não participava de muitas das atividades e preferia ficar sozinho com seus livros ou apenas no jardim, onde podia observar o movimento quase nulo da rua à frente. Como velhos costumes não morrem, Francisco ficava muito rabugento e antissocial apenas durante a época de Natal. Seu primeiro resmungo chegava assim que ligavam as primeiras lampadinhas nas janelas e nas arvores do jardim (o qual ele parava de frequentar na época). Depois, ele sempre ignorava os cumprimentos de “Feliz Natal” que os outros velhinhos lhe desejavam e a única coisa que o deixava realmente um pouco mais agradado durante a época, era que no asilo não se fazia uma ceia nem trocas de presentes. Isso o confortava. Mas um dia tudo mudou.
            Houve um natal em que o asilo fora agraciado com a visita de diversas pessoas vestidas de papai noel! Era um evento anual onde alguns jovens (as vezes muitos!) se reuniam para sair na rua distribuindo doces e um feliz natal para todos. Eles eram acompanhados por musica, alegria, muita vontade e uma carga quase infinita de sorrisos. Estes jovens decidiram entrar no asilo e, diminuindo bastante o barulho que normalmente faziam, foram andando pelo local abraçando os senhores e senhoras que lá estavam e desejando a todos um feliz natal. Francisco ficou quase vermelho de raiva mas de alguma forma... De alguma forma estranha, aqueles jovens deixaram uma ponta de dúvida em sua alma. Uma dúvida que o fez se perguntar, muito subconscientemente, se ficar nervoso com tudo era uma boa ideia.
            Os jovens se aproximaram de Francisco e uma garota vestida de vermelho e com um gorro lhe disse:
            - Fiquei sabendo que é seu aniversário, Seu Francisco!
            Ele arregalou os olhos e começou a descruzar os braços.
            Todos começaram a cantar parabéns para o velho que finalmente ficou com olhos arregalados de encanto naquela data que ele, durante todos esses anos, havia julgado como terrível. Francisco derramou uma lágrima.
            - Parabéns, senhor Francisco! Muita saúde e alegria! Tenha um feliz natal! – a linda garota de vermelho lhe disse.
            Os jovens partiram e todos o cumprimentaram.
            Francisco começou a chorar de vez e se levantou. Depois de enxugar as lágrimas ele disse para seus colegas de asilo:
            - Feliz natal para todos! – E depois saiu para cumprimentar todo e cada um dos velhos que ali moravam. Não valia a pena ficar nervoso com o Natal, Francisco pensou. Se um monte de jovens sem ligação alguma com estranhos na rua podia sair cantando e alegrando o dia de todos assim, de livre e espontânea vontade, o natal era realmente uma época de alegria, caridade e irmandade.
            Uma época mágica.

Depois ouvi dizer que aqueles jovens viraram notícia. Pelo menos notícia local. Infelizmente, nunca vi nada publicado. Espero que eles continuem com o bom trabalho.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Gordo


            Comida. Todos gostam de comer. Eu conheço pessoas que não gostam, mas eu sinceramente acredito que elas ou estão mentindo ou elas estão mortas, muito mortas por dentro. Uma coisa que comida faz com você é te engordar um pouco ou muito, dependendo do quanto se gosta de comer ou do quanto o seu corpo coopera com o seu metabolismo. No fundo, todos temos um pouco de espírito de gordo.
            O Café do Geléia é um lugar gordo. Geléia é gordo, o Artista é gordo, o Conde é gordo e aquelas crianças, se não se controlarem com besteiras serão bons gordos também. O Artista estava em uma mesa com o Conde e os dois conversavam dividindo cafés e churros quando perceberam Helen sorrindo com um vídeo postado na internet. Helen, diferente dos outros, era magra e uma pessoa que prezava pela sua “boa forma”. O Artista gostava dela e conseguia levar altos papos com a mulher mas, sinceramente, as vezes desprezava boa parte de seu pensamento sobre manter a forma.
            Helen era o tipo de mulher que controlava direitinho tudo o que comia. Pesava com os olhos e com a mente o seu prato em restaurantes self-service, lia a parte de trás de todas as embalagens para se certificar que as informações nutricionais batiam com sua atual dieta (sujeita a mudança conforme novas notícias sobre boa forma saíam em revistas) e acordava mais cedo pelo menos quatro vezes por semana para correr no parque. Reclamava quando engordava um quilo e, quando emagrecia o mesmo ou mais, comemorava como se um parente tivesse sido curado de câncer. Era uma pessoa legal, mas muito guiada pela sociedade em relação a seu corpo e saúde.
            O Artista se levantou para ver do que a amiga estava rindo. Geléia e o Conde se aproximaram também. Helen estava vendo um vídeo sobre uma menina que tinha o seguinte projeto para sua própria vida: “Ficar gostosa”.
            - Que porcaria é essa? – Perguntou o Artista apontando com desdém a tela do computador.
            - Ah, essa menina é o máximo! Ela está emagrecendo. Já está se sentindo super bem consigo mesma e sorri bem mais. Está muito mais feliz. – Disse Helen, orgulhosa da garota.
            O Artista ficou furioso. Sua cabeça começou a rodopiar com ideias e palavras.
- O que diabos significa “ficar gostosa”? Ao meu ver, ser gostosa varia de mulher para mulher, cada uma com seu jeito, cada uma com suas qualidades e cada uma com seus charmes. A sociedade impõe a ideia de que mulher gostosa é mulher magra com uma bunda grandinha e seios fartos e isso acaba com a auto-estima de qualquer uma que esteja fora dos padrões, forçando-as a fazer dietas absurdas e tomar rumos de vida que elas mesmas não querem só para não serem “mal vistas” pelas colegas de trabalho ou amigas na escola.
Helen olhou impressionada para o rapaz. O conde fechou os olhos, cruzou os braços e concordou de forma imponente.
- Além disso – Começou o aristocrata – Ela está mais feliz? Então todo gordo é infeliz, minha cara? Ora, veja bem, gordos outrora eram vistos como símbolos de fartura, sucesso e virilidade! E eu e meus amigos gordos aqui? Não somos felizes? Parece que para este mundo cruel e corruptível não somos nada além de escória e piada de maus gosto! – O Conde começava a se exaltar.
            - Mas, gente! Ser gordo não é legal! – Helen foi fuzilada com olhares de reprovação. – Eu gosto muito de vocês, meninos... Mas vocês não são saudáveis, né! Colesterol alto, pressão alta, não conseguem correr... Isso e outras coisas...
            Geléia suspirou. O Artista, massageando os olhos disse:
            - Helen... Eu sou gordo. Eu peso exatos 112 quilos. Sim, eu não corro, mas também não quero ser maratonista. Meu coração está em perfeito estado, minha pressão arterial está normal e eu não tenho colesterol alto e mais nenhum problema. Mas, de acordo com o que você está falando eu sou infeliz e totalmente não-saudável...
            Helen ficou sem palavras. Pegou seu laptop e começou a se levantar.
            - Certo... Talvez não hoje, mas um dia vocês podem se arrepender desse estilo de vida...
            E a garota saiu pela porta da frente, deixando em uma mesa apenas os seus colegas gordos. Dois deles nervosos.

            Depois o Artista começou a concluir:
            - Talvez um dia eu fique mal, sim...
            Geléia interveio:
            - Acho que o importante é ser feliz e saudável... Gordo ou não.
            - E acho que ser feliz já é saúde o suficiente. Eu não me sentiria bem controlando o que como e bebo. E eu com certeza não me sentiria bem fazendo exercícios... Eles me irritam.
            - Serei gordo, farto e feliz enquanto minha vida e minha riqueza permitirem! – Bradou o Conde.
            Geléia se levantou rindo e voltou ao trabalho. O Artista disse com um sorriso orgulhoso:
            - Um dia eu vou morrer. Melhor morrer gordo do que viver magro!
            E tomou um longo gole de refrigerante.

"O Artista ficou furioso. Sua cabeça começou a rodopiar com ideias e palavras."

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Aquele Sentimento


            O Artista estava sozinho. O Gótico estava sozinho. Helen estava sozinha. Muitos estavam sozinhos naquele dia. O Café estava quase vazio e poderia ser considerado uma entidade solitária. Geléia estava sentado em seu balcão tentando remover uma mancha na madeira que estava lá havia, mais ou menos, duas semanas. A jukebox estava silenciosa, o vento lá fora estava parado, a presença do gótico não estava arrepiando espinhas e tudo parecia meio fora do comum.
            Helen olhava para os lados desconfiada de algo que nem ela sabia o que era. O Gótico se levantou bebendo absinto, deu um suspiro e se dirigiu até a mesa do Artista que, estranhamente, não estava desenhando ou escrevendo. Ele estava coberto com a própria blusa enquanto olhava o dia lá fora. Um dia cinza, cinza e solitário.
            - Alguma coisa te perturba... – Sua voz causou espanto no jovem que o olhou com olhos trêmulos.
            Depois de respirar fundo e piscar algumas vezes, sua resposta veio serena:
            - É só um sentimento...
            O Gótico se sentou.
            - Você tem pensado muito ultimamente, não?
            O Artista concordou, mas ficando calado e com um sorriso levemente dúbio em seu rosto fofo. Helen, que antes estava distraída mexendo um copo de cerveja, se levantou e foi ver o que os dois estavam conversando.
            - Também estão sentindo algo é?
            Os dois apenas fizeram um som de afirmação e logo Helen se juntou a eles na mesa. Os três ficaram olhando pela janela enquanto o mundo cinza parecia parado e imutável. Alguma coisa pairava no ar e todos se sentiam meio deslocados ou com um leve sentimento indescritível... Aquele que vem quando você pensa em oportunidades ou no famoso “e se...”. Um sentimento quase vazio que recheia sua alma e sua mente com dúvidas que nunca poderiam ser respondidas sem voltar no tempo, ou era aquele simples sentimento de que tem algo errado e você nunca vai saber o que é, você irá simplesmente se esquecer uma hora ou outra.
            - Tô pensando em umas coisas...
            Helen olhou para o Artista com um ar curioso. O Gótico apenas bebeu seu absinto de uma maneira tediosa.
            - Vez ou outra me bate essa coisa... Sabe aquela decisão ruim que você tomou, dentre tantas outras, que poderia ter mudado completamente alguns poucos anos de sua vida?
            Geléia, vendo que os amigos estavam em uma única mesa e juntos, decidiu se levantar para se sentar junto à eles e, ouvindo o que o Artista disse, logo falou:
            - Acho que todos temos essas memórias...
            - Sim – Disse Helen olhando para dentro de seu copo. – Aquela viagem que você tinha a chance de ir mas nunca foi...
            - Ou aquele absinto a mais que você tomou na presença da mais bela rainha da noite... – Prosseguiu o Gótico.
            - Aquela descoberta sobre grãos de café que mudou a dedicação de sua vida. – Disse Geléia, quase esperançoso.
- Ou aquela garota que você nunca devia ter deixado ir... – Lamentou o Artista se lembrando de tudo que estivera pensando recentemente.
E o dia se prosseguiu assim. Desse jeito estranho, anormal, diferente, fora do comum e mesmo tendo todos os lamentos e felicidades do passado vindo a tona, ninguém poderia dizer o que estava acontecendo.

Ao fundo, o Velho sorria como sempre e enquanto Viras, o cão, olhava curioso para os amigos que observavam ao dia pela janela, o Velho acariciava sua cabeça. Ao perceber o olhar inquisitivo de seu amigo animal, soltou uma leve risada e disse:
- As vezes você acha que existe algo errado com o mundo, garoto, e você não consegue dizer para si o que é. – Disse com firmeza, fazendo Viras voltar a atenção para seu rosto enrugado. – Mas na verdade... Você sabe muito bem que existe algo de errado dentro de você.

"Os três ficaram olhando pela janela enquanto o mundo cinza parecia parado e imutável."

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Cartas


            Estamos em plena era da informação, era digital, era da internet, chame como quiser, mas se tem uma coisa que gosto de acreditar que todos já fizeram é escrever uma carta. Sim, uma carta. Aquela folha de caderno arrancada do final, aquela folha sulfite avulsa que estava ao seu lado ou mesmo aquele papel todo especial, colorido e as vezes perfumado.
            Todos nós guardamos cartas. Guardamos aquelas que recebemos, as vezes temos o rascunho daquelas que enviamos e muitas vezes temos aquelas cartas que nunca foram enviadas e estão paradas em uma gaveta, cheias de memórias, e juntando pó. As cartas são como nossos melhores amigos. É para elas que podemos contar tudo e tudo que elas fazem é ouvir e guardar muito bem tudo aquilo, por mais confusa que seja sua mente e suas idéias e, é por este motivo que, no fundo, todos gostamos de escrever ou receber cartas. Confesso que não me lembro da primeira carta que recebi, mas tenho certeza que gostaria de tê-la guardado, pois, ela sozinha seria como um espelho refletindo meu passado, fazendo meu cérebro funcionar de uma maneira em que eu me lembraria de tudo que estava circulando minha vida na época em que a recebi. Eu poderia ver o que o remetente pensava de mim e o que ele queria dizer para mim, o que poderia ser importante ou simplesmente uma informação boba com o desejo de ser partilhada.
            Eu estava mexendo em algumas coisas no meu quarto recentemente e achei três cartas. Estes simples papéis foram o suficiente para me desviar do que eu estava fazendo, e do que eu estava indo fazer, para parar e ler aqueles relatos. Eu peguei as três cartas, me sentei em minha cama e cruzei as pernas enquanto me posicionei debaixo da luz incandescente para ler. A primeira carta que li foi uma surpresa de uma amiga e foi ela que me inspirou a escrever. A carta era um desabafo simplesmente, se é que pode se dizer isso, pois ela me disse tudo o que sentia na vida dela com relação a amigos se afastando e ,quando li aquilo, me senti muito mais próximo dela... através de uma carta. Pelo fato de a carta ser escrita com carinho, com pensamento focado e com vontade de querer dizer algo é que elas são tão especiais.
            As outras duas cartas eu guardo dentro da embalagem de um relógio de bolso. Uma caixinha simples com um interior aveludado e no formato do relógio que, sinceramente, é o meu favorito, mas o que eu menos uso. As cartas eram de uma outra amiga, uma ex-namorada, que me escreveu muito tempo depois de termos terminado e ainda assim eu as guardei com todo o cuidado e carinho do mundo, sabendo que elas foram escritas durante um turbilhão de ideias em meio a uma madrugada e, principalmente, escritas por uma pessoa cuja importância em minha vida é imensurável. Aquela carta estava recheada de sentimento, sentimentos estes que guardo cuidadosamente em meu coração e acredito que ela faça o mesmo.  Não pude evitar um sorriso bobo e sincero de vir ao meu rosto.
            Depois de ler as cartas, eu as guardei em uma gaveta cheia de memórias e sentimentos, ao lado de uma carta nunca entregue e embaixo do meu querido relógio de bolso que, curiosamente, nunca atrasa.
            Não sei se existe uma, mas eu gostei da simbologia disso. Acho que preciso escrever uma carta de volta para alguém e só posso esperar que ela seja guardada com tanto carinho e cuidado quanto guardo as minhas.

Você também deveria guardar suas cartas...