Entretenimento
é algo que todos precisam. Nenhum ser humano, por mais workaholic que seja,
consegue passar a vida sem precisar de um entretenimento. Uma palavra muito
diversa que pode se referir a leitura, cinema, televisão, quadrinhos, esportes,
música, desenho e, como dito no título: Videogames.
Faz um
tempo que Geleia tinha comprado uma máquina de fliperama para o café. A ideia
era que o aparato combinasse com a jukebox ainda funcional e o jogo de pinball,
meio abandonado em um canto do estabelecimento. Essa era a ideia. Mal sabia ele
que tantos de seus costumeiros clientes se interessariam pelo jogo dentro da
maquina. Menino Ottis passava horas a fio jogando ao lado de K.D., Gregório e
Thelma.
- Usa bola
de fogo, Ottis! - Gritava Gregório enquanto movimentava sem parar o seu
personagem pela tela.
- O bicho
voa! Precisamos de outra estratégia!
-
Estratégia? A minha é espancar essa harpia sem parar! - K.D. mordia o lábio
inferior.
- Ai,
gente, distraiam o monstro pra eu furar as costas dele! - Thelma parecia a mais
calma jogando, embora seu interior fosse pura fúria.
Enquanto os
sons digitais de espadas, explosões e gritos ecoavam pelo café, um casal entrou
no estabelecimento e foi direto ao balcão.
- Boa
tarde! - Geleia, como sempre, soava amigável.
- Boa
tarde. Dois expressos, por favor. - O homem pediu e logo se voltou para
conversar com sua mulher.
Ottis bateu
no console gritando um sonoro palavrão e foi correndo ao balcão, deixando
dinheiro nele e pedindo mais fichas para Geleia, que as tirou do bolso e
entregou para o garoto.
- Cadê
aquele elfo desgraçado? - Ottis falou logo depois de colocar as fichas.
- Dando um
pau na gente! - Bradou Thelma enquanto seu personagem morria de novo.
O casal de
senhores tinham olhares preocupados na direção das crianças e quando Geleia
trouxe o pedido eles não hesitaram em perguntar:
- Onde
estão os pais dessas crianças?
Geleia
abriu a boca para falar mas percebeu que ele mesmo não sabia a resposta, então
apenas enrolou.
- Estão
chegando em breve.
- Você não
deveria proibir estas crianças de jogar esse tipo de coisa no seu
estabelecimento? - perguntou a mulher.
Geleia
ficou confuso.
- Deveria?
A mulher
levantou os ombros, como alguém que acabou de dizer algo óbvio.
- Claro!
Este tipo de jogo não foi feito para crianças.
Geleia
tinha certeza de que os jovens eram o publico alvo.
- Toma essa
seu orelhudo, maledeto! - gritou K.D. depois de matar o elfo com uma espada
secreta.
- Ei! Veja
se tem mais armas violentas assim em outras telas! Quero uma também! - Gritou
Thelma pedindo para K.D. e Gregório olharem na internet.
Geleia
terminou os pedidos do casal e os colocou no balcão enquanto os senhores se
voltavam para o mesmo com olhares que misturavam tristeza e raiva.
- Estão agressivos!
- Reclamou a senhora antes de bebericar seu café.
- E falando
palavrões! Xingando em alto e bom som! - Continuou o senhor enquanto testava a
temperatura de sua bebida.
Ao fundo
Geleia pôde ver o Artista chegando, olhando o jogo dos garotos e dando dicas
antes de chegar com um sorriso no balcão, onde deixou sua mochila.
- E aí,
Geleia! O de sempre por favor. - Falou ainda com o sorriso.
Quando o
Artista percebeu os velhos ao seu lado, ele ficou quieto e seu sorriso diminui
muito para dar espaço a uma expressão franzida. Eles o olhavam com reprovação.
- Como você
pode apoiar uma coisa dessas? - A senhora perguntou ao Artista.
- Perdão? -
Ele parecia confuso.
- Você
deveria ser um exemplo, não deveria deixar crianças jogarem jogos como aqueles!
- O senhor disse apontando para o fliperama.
Ottis deu
um soco em K.D., que riu.
- Dá para
parar de explodir meu personagem com essas magias?
- Galera!
Ainda tem demônios nos atacando! - Gregório estava preocupado.
O Artista
quase gargalhou.
- Olha...
Se essas crianças não jogarem isso o que elas jogariam?
O senhor
começou a falar como os garotos poderiam jogar futebol nas ruas ou em quadras e
também como poderiam se divertir fazendo mais esportes e coisas do tipo. A
senhora estava indignada com Thelma e começou a reclamar sobre como uma garota
não deveria dizer tantos palavrões e como ela deveria se comportar mais como
"uma boa moça".
O Artista
sorriu com o canto da boca e bebeu um gole de seu Gelaccino.
- Essas
crianças aprontam várias além desse jogo! Isso é só uma válvula de escape para
os problemas do dia-a-dia... Eles crescerão como qualquer outra criança.
O casal
parecia impressionado.
- Isso se
não se juntarem a algum culto satanista usando drogas! - A senhora falou.
O Artista
gargalhou e Geleia quase o acompanhou ouvindo a senhora.
- Vai ver o
problema desses jogos estão em pessoas limitadas que nunca os jogaram na vida,
não acha, minha senhora? - O Artista a encarou enquanto fazia barulho ao beber.
- Você deveria experimentar. Pode fazer você se livrar de toda essa
personalidade reprimida. - Concluiu sério.
Os senhores
pagaram a conta e logo saíram. Insultados, claro.
Depois de
mais algumas jogadas os garotos voltaram ao balcão com caras felizes.
-
Conseguiram terminar o jogo? - Perguntou o Artista.
- Não -
começou K.D. - Nós morremos... Mas agora sabemos como passar de tela mais
rápido! - o grupo todo concordou.
E eles
foram para uma mesa rir e discutir sobre a aventura enquanto dividiam
refrigerantes e salgadinhos.
O Artista
se virou para Geleia.
- Acho que
fiz você perder uns clientes hoje... Sinto muito.
O gerente
sorriu, como sempre.
- Prefiro
perder clientes do que ganhar pessoas reclamando da minha gerência.
Os
dois riram.
"Essas crianças aprontam várias além desse jogo!" |