O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Escola

            - Como foi hoje?
            Foi a primeira coisa que o Menino Ottis ouviu ao entrar no café. Geléia sempre perguntava a mesma coisa quando o garoto voltava da escola e Ottis sempre respondia a mesma coisa:
            - Como assim? – Se sentou ao balcão.
            - Ora, você sabe. Aprendeu algo novo? Aconteceu algo de engraçado? Sabe... Quando se tem a sua idade a escola é sua vida.
            - Infelizmente, Geléia... Infelizmente...
            Geléia terminou de passar um pano no balcão e trouxe o refrigerante de sempre para seu cliente quando percebeu um roxo em seu rosto. Ele sabia que aquilo era praticamente da rotina de Ottis, mas puxou assunto da mesma maneira.
            - Foi aquele valentão do Tales de novo?
            - O que? – Ottis arregalou os olhos e olhou para o gerente. – Ah, sim... Acho que nunca vou entender o que ele ganha com isso, Geléia. As vezes acho que devia usar capacetes como KD. Da ultima vez ele colocou um capacete oficial do jogo “Halo” que deixou a mão do Tales doendo por uma semana.
            - Você deveria dar uma lição nele, Ottis.
            - Como eu posso dar uma lição em um repetente de 90 metros de altura?
            Geléia gargalhou e Ottis fechou a cara.
            - Ahh, garoto... Brigar é errado. Então se ele entrar em uma briga com você, você deve fazer tudo que é errado! Dedos nos olhos, mordidas, cuspe, chute no...
            - Você precisa de reforços! – Disse uma voz que vinha lá de trás.
            Menino Ottis e Geléia olharam para a porta enquanto a figura larga se aproximava acompanhado de uma bem esbelta. O Artista solitário andava com um ar irritado e ao seu lado vinha a Cineasta, curvada e levemente cansada.
            - Eu posso te ajudar com esse problema, garoto.
            - Você sabe artes marciais e vai tentar treina-lo? – Perguntou a Cineasta, rindo acompanhada do Geléia.
            - Não. Mas eu sou mais velho e posso te ajudar a arrebentar esse Tales. Que, aliás, tem nome de folgado! – Todos concordaram com a ultima frase.
            - Qual é, cara... Você vai mesmo ajudar o moleque a bater em outro? – Dizia a Cineasta soando preocupada.
            O Artista se aproximou dela e sussurrou:
            - Na verdade só quero assustá-lo. Sabe... Faze-lo molhar as calças.
            - Ah, sim! Você é realmente assustador, amigo! – Deu um tapinha em suas costas.
            O Artista e Ottis então combinaram de se encontrar no dia seguinte na saída da escola para acabar com a raça de Tales. Poucos sabiam, mas um arrepio subia pelas costas do Gótico e menos pessoas ainda sabem que sempre é bom não ignorar tais sinais.

            No dia seguinte o Café estava aberto aos poucos que por ali passavam, como sempre. Alguns tomavam cafés, outros pediam seus lanches e como o horário não era o mais movimentado, o silêncio era quase palpável no local. Geléia estava trocando os canais da TV acima do balcão quando ouviu algo parecido com o murmúrio de algo que há muito já deveria ter saído deste plano de existência e ao olhar para os lados percebeu que o Gótico se levantara de sua cadeira em um canto escuro e olhava pela janela.
            - Está tudo bem, amigo? – Arriscou o gerente.
            - Um vento gélido e fatídico se aproxima...
            Ouviu-se o sino acima da porta. O Artista estava entrando e Ottis o acompanhava, os dois discutindo nervosos sobre como um deveria ter usado um gancho de esquerda, sobre como deveriam usar capacetes e Geléia teve certeza de ter ouvido algo a respeito de “soltar Hadouken”.
            - Como foi hoje? – Perguntou e notou que os dois possuíam olhos roxos.
            - Ele não sabe brigar, Geléia! – Reclamava o garoto enquanto empurrava o Artista de lado.
            - Ei, Ei! Eu sei brigar! Mas se você tivesse me falado que ele repetiu de ano 19 vezes, talvez eu tivesse me preparado melhor!
            - Ah, qual é! Você é inútil, cara! Eu vou é comprar um capacete do Rocketeer!
            - Da próxima vez não peça minha ajuda, moleque!
            O silêncio era desconfortante, mas o Gótico sorria. Passados alguns minutos, o Artista se aproximou furtivamente do gerente.
            - Geléia. Tem como marcar um café com chantilly e uns pães de queijo na minha conta? O Tales roubou meu dinheiro...
           
            Geléia gargalhou e começou a preparar o café para seu cliente de cara emburrada. Quase sentiu saudades dos tempos de escola... Amigos, aulas, risadas... Até que olhou o olho roxo do artista. “Ainda bem que acabou” disse a si mesmo depois de pensar melhor.

            E por falar em pensar melhor... Como o Menino Ottis sabia quem era o Rocketeer?

"Ah, qual é! Você é inútil, cara! Eu vou é comprar um capacete do Rocketeer!"
 

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A Cliente Nova

 A sineta pendurada na porta do Café anunciava a entrada de mais uma cliente. Geléia a olhou com o canto dos olhos, sem parar de enxugar o copo com o pano de prato há muito encardido. Apesar das diversas mesas vazias, em decorrência do horário, ela se sentou ao canto do balcão. Completamente molhada pela chuva, tirou o casaco e o gorro ensopados e os apoiou no banco ao lado.
            Geléia enxugou as mãos com o mesmo pano encardido e andou até a moça. Era uma cliente nova, coisa bastante rara em dias de chuva tão forte como aquele. A cliente tomou um susto ao ouvir a sua voz, como se não esperasse ser atendida.
            - Gostaria de algo para beber senhorita? Um café ou chá?
            - Um café seria bom! Estou tremendo de frio, ainda mais molhada desse jeito.
            - Vai querer comer algo também?
            - Não, só o café está ótimo.
            Ela foi servida rapidamente. O café fervendo esquentava seu corpo e reanimava um pouco seus ossos. Não possuía pretensões de ficar ali, nem sequer teria entrado, mas a chuva não lhe deu outra opção e agora parecia querer manter-la por lá. Bebeu o café vagarosamente enquanto olhava ao redor, analisando os outros clientes. Um garoto tomava refrigerante, novo demais para estar sozinho num lugar como aquele, no entanto estava. Um rapaz de gorro que desenhava incessantemente sugava seu café gelado pelo canudo sem sequer olhar para o copo. Uma moça jovem, de cabelos compridos e óculos falava alto ao celular, batendo com uma caneta em sua xícara de café; falava sobre câmeras, carros, ajudantes e um papo estranho que a nova cliente não conseguia compreender.
            Mas quem chamou sua atenção mesmo era o senhor sentado no canto mais afastado do Café, cabelos pretos já acinzentados, óculos de leitura, um casaco de frio velho e surrado. Ele fazia anotações num caderno que parecia ter a sua própria idade. Na mesa a sua frente havia algumas fotos do tipo Polaroid já quase desaparecidas, algumas moedas douradas, um relógio de bolso e alguns cartões postais. Ele olhava os objetos, fazia anotações, voltava a analisá-los e erguia as sobrancelhas.
            - É sempre bom ver clientes novos por aqui – disse Geléia se aproximando da moça para recolher sua xícara de café já vazia – Geralmente, em dias chuvosos assim, os velhos amigos são os únicos aparecer.
            - Todos aqui são habituais? – disse a cliente demonstrando certo interesse por aquelas pessoas tão curiosas.
            - Ah sim, todos esses. E muitos outros que não estão aqui agora. É raro que estejam todos aqui ao mesmo tempo, mas às vezes acontece. Um pessoal meio esquisito, mas muito legal.
            Ela olhava ao redor analisando cada um minuciosamente e todos eles continuavam com os mesmos afazeres. Geléia se apoiou no balcão e falou com a moça mais uma vez:
            - Não me leve a mal. Eu adoro novos clientes, mas sabe, não tem como não preferir os velhos.
            - Sim, eu entendo. Mas confesso que esse lugar me surpreendeu, talvez eu volte aqui mais vezes também.
            - E será muito bem vinda – Geléia sorriu simpaticamente e logo emendou – Quer mais um café?
            Ela fez que sim com a cabeça e ele foi buscar outra xícara. A chuva lá fora já dava um pouco de trégua, mas ela tinha tempo e iria esperar um pouco mais. A sineta anunciou a entrada de mais um cliente, um homem baixo de cachecol e agasalho carregando uma grande mala de viagem. Ele cumprimentou Geléia a distância e sentou-se ao lado do menino que ainda tomava refrigerante, meio que pendurado em sua cadeira e seus pés mal tocando o chão. “Mais um velho cliente” ela pensou, e nesse instante Geléia já lhe trazia a segunda xícara de café. Antes que ele pudesse sair ela segurou sua mão.
            - Posso lhe fazer uma pergunta?
            - Claro, só espero que eu possa a responder.
            - Quem é aquele senhor ali no canto? Provavelmente alguém que está sempre aqui.
            - Ah, sim! Acertou! Aquele é o Colecionador, provavelmente meu cliente mais antigo e mais fiel. Meio calado, mas um ótimo cliente.
            Ela ficou surpresa. Se era um cliente tão antigo assim, como Geléia não sabia seu nome e o chamava pelo estranho apelido de Colecionador? Aliás, colecionador de quê? Geléia olhou fixo nos olhos da nova cliente e disse:
            - Mas apesar de ser um bom cliente, não recomendo que você converse muito com ele. É uma ótima pessoa e ótimo em ouvir os outros, mas ele sempre pede algo em troca.

"- Não me leve a mal. Eu adoro novos clientes, mas sabe, não tem como não preferir os velhos."

Conto enviado por Fabio Banin (Seria uma veZ...)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Helen


            - Eu não acredito que você ainda guarda esse monte de tralha, Geléia!
            A mulher de cabelos negros e encaracolados olhava ao seu redor com um misto de confusão e de maravilha. A sala era apertada, mas parecia que se todas aquelas coisas saíssem de lá, daria para abrir um salão de dança.
            - É, eu não sei nem por onde começar a arrumar isso... – disse Geléia coçando a nuca e escondendo uma singela verdade.
            - Você não quer se livrar disso, né? – perguntou Helen, olhando no fundo dos olhos de Geléia e revelando o que ele escondia. Ele só conseguiu dar de ombros com uma cara encabulada.
            Helen sempre foi boa em descobrir as coisas. Ela teria se dado muito bem como detetive, investigadora forense, historiadora e esse tipo de coisa que só é empolgante em filmes e seriados.
            - Um cubo mágico, brinquedos, um monociclo, papéis, propagandas de duas décadas atrás, papéis, uma televisão, um telejogo... Deuses... você já fuçou aqui de verdade? Digo, de verdade mesmo? – ela estava sentada se soterrando nas tralhas em que mexia.
            - Eu entro aqui de vez em quando. Aliás, preciso trocar essa lâmpada aqui. – Geléia pareceu subitamente interessado em uma das lâmpadas que iluminava o quartinho. Estranhamente isso o fez lembrar de quando ele e Helen brincavam de cabaninha na casa da avó dela. Eles tinham cerca de seis anos na época e era sempre ele que tinha que montar a cabana enquanto Helen a forrava com coisas incrivelmente úteis como um controle remoto sem pilha, bonecas velhas, uma escumadeira, duas panelas – que eram usadas como capacetes ou banquinhos – e mais esse tipo de coisa.
             - Lembra de quando a gente brincava de cabaninha na casa da minha avó, Geléia?
            E esse era quase um super-poder dela: ler a mente de Geléia.
             - Claro! Depois de colocar a casa toda dentro da cabana, você se cansava e queria parar de brincar!
            - É, não tinha muito mais o que fazer ali!
            Helen tinha acabado de voltar de viagem. Suas malas ainda estavam atrás do balcão e eram muito pequenas, o que era estranho para alguém que ficou seis anos fora do país. No início havia saído para estudar russo, mas parou no meio e resolveu sair vagando pela Ásia. Ela simplesmente não parava, nunca havia ficado parada em lugar nenhum. Era do tipo de pessoa que vivia viajando sem ter nenhuma fonte de renda, vivia o tipo de vida que só quem vive entende. Geléia estava louco para saber de sua vida fora, mas sabia que perguntar era inútil. Ela falaria dali a alguns minutos, quando eles parassem um pouco e um silêncio fizesse menção de aparecer.

            - Aliás, não tem mais o que fazer aqui. Quer um café, Geléia?
            - Eu não tomo mais café, mas aceito um chá!
            Então os dois saíram do quarto e foram para o balcão, onde o Menino Ottis fingia ser o atendente e mantinha uma discussão fervorosa com Diego sobre os benefícios do refrigerante no crescimento de uma pessoa.

            A luz foi apagada atrás deles e algo terrível no meio daquela bagunça acordava depois de um longo sono.

"Aliás, não tem mais o que fazer aqui. Quer um café, Geléia?"
 Texto enviado por Ricardo Pedroni (Elkreme)