O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dia de Cão

    Era um dia como qualquer outro. O sol nasceu vindo do leste trazendo consigo o calor de um dia irritante. O mormaço na calçada era perceptível ao olho na distância e perceptível à pele o tempo todo. O sol ascendia em seu curso rotineiro de todos os dias trazendo uma luz altamente radiante, quase cegante, tornando o céu azul limpo a única coisa bonita para se ver naquela manhã sem graça.
    O cachorro se levantou. Tinha passado a noite ao lado de um mendigo, mas não tão perto a ponto de pegar os germes que o humano continha. Após se levantar foi beber um pouco de água da sarjeta. A chuva do dia anterior só tornava o dia mais quente e chato agora e com toda aquela água evaporando, o ar fica simplesmente... Estranho. O cachorro arfava e sua língua balançava para lá e para cá enquanto ele saía pelos becos e ruelas da cidade buscando seus amigos de noites passadas. Todos estavam nos lugares costumeiros, alguns dormindo em soleiras esquecidas, outros remexendo latões de lixo e outros latiam sem propósito para algumas pessoas na rua. Ele soltou seu latido de sempre para cada um deles e, com orelhas eretas ou para frente, eles o seguiam como um líder, como se ele soubesse exatamente onde encontrar a comida que todos agora queriam.
    A gangue correu seguindo o líder que os levou até um restaurante próximo onde todos se debruçaram às janelas para olhar dentro. Os humanos, com suas patas sujas, comiam bifes suculentos que pingavam sangue no caminho do prato à boca. O macarrão era enrolado no garfo em um padrão quase que hipnótico e a água sendo derramada em copos suados era uma visão tão estonteante que os cães ali ficaram apenas pensando. A felicidade não durou muito, pois logo veio um homem com roupas bonitas gesticulando e gritando “Saiam!” e “Xô!” e os que não saíram da janela na hora receberam um banho gelado de mangueira. O cão líder estava sentado coçando pulgas e os outros se juntaram a ele fazendo um círculo de coceira. Depois de um pedido inicial por comida não muito bem sucedido, a única coisa que realmente podia trazer certa felicidade a eles agora era aquela coçada gostosa atrás da orelha. Ficaram sentados até o menor deles acabar e logo partiram mais uma vez.
    Andar pela cidade movimentada era bom e ruim ao mesmo tempo. O bom é que só em um lugar com tanta gente era possível se tornar invisível e o ruim é que, por ser invisível, ninguém te dava um carinho. Vez ou outra um mendigo, ser quase tão invisível quanto os cães, lhes fazia um carinho e balbuciava alguma coisa nada compreensível. Um mendigo em especial foi mais atencioso. Depois de fazer carinho e um deles, ele ofereceu o pouco de pão que ele tinha e o cachorro aceitaria se o líder não tivesse lhe lançado um olhar rígido que dizia “Ele precisa disso mais do que nós...”. E eles saíram correndo rua acima passando ao lado de uma igreja que foi usada coletivamente como banheiro e algum morador de rua meio maluco começou a rir olhando para o céu e xingando algo lá em cima. Pensaram que ele devia estar falando com as pombas, então seguiram para o destino que o líder estabelecera.
    A padaria. Somente lá eles encontrariam o grande monumento, o objeto de adoração cega e pináculo do desejo de todos de sua espécie. Era um artefato que inspirava criatividade, felicidade, desejo e ao mesmo tempo curiosidade, desespero e tristeza. Era ele o objetivo daquele momento. Hoje eles conseguiriam conquistar uma das aves mortas assadas que rodavam em seu próprio eixo como presente do grande artefato humano. Ficaram parados durante muito tempo até um dos guardas do monumento se aproximar deles com uma vassoura em mãos. Ele brandia a arma gritando e os expulsando daquele local sagrado. Muitos correram, mas o líder não desistiu e ficou driblando seu oponente. A vassoura descia com velocidade e ele saltava para o lado e depois abaixava quando o objeto zunia acima de suas orelhas pontudas. Mas reforços chegaram e o líder ganhou nada mais do que um banho de água gelada.
    Levando seu time em derrota para qualquer lado, o líder desacreditado não conseguia pensar em nada para motivar seus homens. O ronco de seu estômago era maior do que qualquer pensamento. Foi quando ele se deparou com um estabelecimento que nunca tinha visto antes. Um local bonito na esquina da rua Orlontis com a Coronel Verde, um local humildemente grande e bem decorado com alguns clientes diferentes lá dentro. Quando os cães se apoiaram nas vidraças para olhar dentro, um homem gordo de avental estava saindo com um saco de lixo e quando os viu falou com um sorriso simpático:
    - Olá, garoto!
    A saudação foi respondida com os cachorros se aproximando, mas com o líder à frente. Alguns se sentaram na frente do homem e alguns ainda se mantinham em defesa, com medo de mais água gelada. Mas o homem fez um carinho na cabeça do líder e disse:
    - Vocês parecem estar com fome... Hm, esperem um pouco.
    E o homem sumiu para dentro do estabelecimento.

    Dado algum tempo, ele voltou com algumas tigelas com sobras de comida dentro. Os cães se empanturraram! Ele ficou observando-os durante um tempo e olhou quando alguns começaram a correr para longe do grupo, agora que estavam abastecidos. O homem viu que os cachorros estavam indo embora e decidiu fazer o mesmo, entrando no café, mas olhou para trás e viu que o líder do grupo estava sentado à porta. Eles se olharam por um tempo e o cachorro virava a cabeça de lado ao fitar o homem.
    - Imagino que não tenha para onde ir, senhor vira-latas...
    O cachorro meio que concordou abaixando a cabeça e se deitando no chão. O homem sorriu simpaticamente mais uma vez, trazendo certo conforto para o pobre animal.
    - Se quiser... É bem vindo aqui. Afinal... Muitos ali dentro não tem muita idéia de onde estão indo. Acho que ninguém faz idéia disso na verdade.
    O cachorro o olhou confuso.
    - Acho que vou te chamar de Viras. Parece-me um bom nome...
    Um nome. Naquele momento, parecia tudo que ele precisava agora que tinha um lar.

"Todos estavam nos lugares costumeiros, alguns dormindo em soleiras esquecidas, outros remexendo latões de lixo e outros latiam sem propósito para algumas pessoas na rua."

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ano Novo


            Seguinte ao natal chegamos em outra época marcante e esta época é o fim do ano. Aproveitando a abundância de comida do natal esta é uma comemoração feita com mais refeições deliciosas e bebidas, às vezes mais alcoólicas que no natal. É a época em que os homens se empanturram e as mulheres também, mas isso sempre as faz se arrependerem no início do ano ao fazerem “metas”.
            O que é um conceito interessante da comemoração. As pessoas consideram que com a virada do ano algo inimaginável, algo mágico, algo astrológico irá ocorrer e fará com que elas sejam melhores pessoas. Estranhamente “melhores pessoas”, para elas, se resume em pessoas ricas, magras e com carros novos. Para dar sorte no alcance destas incríveis ditas “metas” as pessoas passam o ano vestindo branco para representar prosperidade, comem lentilha para dar sorte, guardam caroços de uvas e abraçam uma pessoa do sexo oposto para ter um bom ano. Mas tirando tudo isso é basicamente um prolongamento do natal e mais um motivo para sair mais cedo do trabalho e passar o tempo com os amigos.
            Havia um lugar que tinha feito uma comemoração após o horário curto de trabalho. Mas agora já passara do meio dia do dia 1º e todos pareciam nocauteados em meio a mesas viradas, uma TV de ponta-cabeça, latas, copos e bebidas espalhadas no chão e um cheiro de queimado que pairava como uma nuvem de azar pelo local. Um celular tocou e reclamações em uníssono voaram pelo ar, tornando-as impossíveis de serem entendidas. O toque continuou e cada nota era como uma serra elétrica cortando um tronco bem grande ao lado dos ouvidos dos que ali jaziam, com olhos fortemente fechados para impedir a entrada da nociva luz do sol em seus olhos. O toque soou mais uma vez e foi atendido pela Cineasta.
            - Hunrgh...- Tentou dizer algo e não obteve sucesso.
            A pessoa do outro lado falou alguma coisa que foi compreendida por, aproximadamente, 9 micro segundos na cabeça da Cineasta e logo foi esquecido.
            - Aham... Pra você também, beijo tchau. – Mal terminou as ultimas palavras e o celular estava desligado, caído e aberto no chão.
            Ao fundo tornaram-se audíveis os gemidos de dor e desconhecimento do local e hora em que sua mente e corpo se localizam. Ernesto estava debruçado no encosto de uma cadeira e seus pés não tocavam o chão onde estava seu chapéu e paletó. Ele se levantou e percebeu que o mundo girava a sua volta, como se seu próprio cérebro fosse um redemoinho colérico. Se esforçando para não cair, ele se abaixou, pegou seu chapéu e o bateu nas coxas na intenção de limpá-lo. Olhou a sua volta e tudo estava um caos. O Artista estava deitado sem camiseta no balcão e “2012” estava pintado em sua barriga. Helen estava deitada em uma mesa e usava uma coroa e abraçava um abacaxi. A Cineasta jazia de bruços em duas mesas juntas e seu braço esquerdo estava balançando para lá e para cá e uma lente de seus óculos havia quebrado. O Viajante estava com a cabeça no ombro do Conde que, por sua vez, fazia o mesmo com o Gótico que estava com a cara esfregada em uma das janelas. Quando Ernesto esfregou os olhos e meio que recuperou seu equilíbrio viu que Diego estava ao seu lado em posição fetal, sua cara manchada com bolo de chocolate.
            - Ernesto... O que houve? – Perguntou com cara de cachorro abandonado.
            - Eu... Não sei! Onde está Tremoço? – Olhava para os lados ao perguntar.
            Diego apontou para cima e Ernesto acompanhou seu gesto. Tremoço balançava moribundo em um dos lustres e sua mão segurava uma garrafa sem rótulo. Ele abriu os olhos bem devagar e quando viu que estava muito acima do chão estremeceu e caiu, fazendo muito barulho. Levantou-se assim que atingiu o chão e estava totalmente desperto e fazendo pose de que havia sido proposital. O estrondo de tremoço havia despertado todos e eles repetiram em uníssono os resmungos. Ao abrirem os olhos e verem as próprias situações todos se entreolharam durante o que pareceu uma eternidade até o sininho do batente tocar com a porta abrindo.
           
            Geléia entrou com suas coisas e pendurou o casaco no mancebo ao lado. Fazia isso enquanto assobiava, e ao dar o primeiro passo para dentro do estabelecimento percebeu a bagunça que o local estava. Olhava impressionado para todos os cantos e em sua mente um torvelhinho de perguntas se formava, lhe causando dor de cabeça.
            - Vocês ficaram aqui quando tranquei o local para o feriado? – Perguntou incrédulo enquanto atrás dele chegavam Menino Ottis, Gregório, Thelma e KD. Todos rindo.
            - Rá rá! Ah, Geléia! Você nem vai acreditar nessa história! – Disse o Menino Ottis segurando uma câmera.

"Ele se levantou e percebeu que o mundo girava a sua volta, como se seu próprio cérebro fosse um redemoinho colérico."