Amor. Sentimento este que permeia a essência da alma humana. Todo ser humano, incluso o Gótico, tem uma capacidade, por mais que pífia, de amar. Ver casais apaixonados é uma coisa muito comum quando se anda muito por aí. O amor está em todos os lugares, como pode ser percebido até pelo mais leigo dos seres humanos. No momento, um leigo ser humano conhecido por ser um artista, estava percebendo o sentimento no ônibus que se encontrava no momento.
Chegou a uma conclusão. A conclusão era que aquilo o irritava. Quando se está sozinho em seu canto e tem, pelo menos, dois casais no mesmo ambiente, parece que todos no local estão mais felizes e apaixonados e que a vida deles é muito mais legal do que a sua. Enquanto são trocados carinhos e beijos começam a se tornar audíveis as risadinhas, os comentariozinhos e um monte de coisas começam a ficar no diminutivo com vozes agudinhas. O caminho até o Café nunca foi tão desconcertante e era difícil manter o foco e tentar escrever algo ou simplesmente produzir uma imagem na cabeça. Quando finalmente chegou no ponto em que descia, o Artista andou pelo corredor de olhos virados ao passar pelos casaizinhos e quando por fim saiu do veículo bufou como se estivesse prendendo a respiração durante todo o tempo que passara lá dentro.
Foi então que era perceptível que, se a vida fosse um filme, um “Zoom” ocorreria agora. A câmera viria desde o balcão para se fixar rapidamente nos olhos, agora esbugalhados, do Artista. Hoje devia ser o dia que os deuses tiraram para mexer com ele. Mais casais haviam se alojado no Café e estavam sempre juntinhos e abraçadinhos enquanto tomavam bebidas quentes da mesma xícara. Ele fechou a cara e foi em direção a sua mesa costumeira, mas ao chegar lá percebeu que ela estava ocupada pela Cineasta Desacreditada. O coração do Artista quase parou, então. Tentando manter a postura e fingir que nada estava ocorrendo em sua mente, ele tentou se desviar do possível campo de visão da Cineasta, fazendo assim com que ela nunca percebesse que ele por ali passou e ele então poderia buscar uma mesa solitária ou um lugar ao balcão. Não conseguiu. Ela o viu antes de qualquer movimento, o convidou para se sentar e ele, ainda de cara amarrada, aceitou relutantemente.
Muitas pessoas já estiveram em montanhas russas. As que não estiveram deveriam ter ido pois é uma ótima experiência e também é parecido com o que acontecia agora na cabeça do Artista. Sua atenção ficava em subidas e descidas. Uma hora ele ouvia o que a Cineasta falava, outra hora ele simplesmente pensava no como os olhos dela eram bonitos. Uma hora ele quase lançava um comentário com uma risada sem graça e em outra hora ele simplesmente tinha a impressão de que o sorriso dela brilhava como o sol. Até que durante a conversa:
- Pô... Hoje tem muitos casais aqui, hein? Haha, isso me lembra uma vez quando eu estava com Skulz...
- Skulz? – Perguntou o Artista num salto.
- Um pessoa que conheço. Enfim... – Ela continuou.
O mundo do Artista desabou. Tudo trincou, ficou preto e branco e o tempo parou. A voz da cineasta continuava falando como uma assombração bem diante de seu cérebro debilitado, mas ele logo a desligou, adicionando ao mundo cinza uma interferência. Quem era esse Skulz? O que eles já passaram juntos? Por que ela lembrou dele justo agora? O que estava acontecendo!? De repente, o cérebro auto-defensivo do Artista tomou uma decisão brutal e o obrigou a dizer:
- Eu não consigo me concentrar com você falando... – Ele arregalou os olhos e ficou vermelho. Não queria dizer aquilo, então voltou sua atenção para a folha em branco a sua frente que, no momento, era mais compreensível que o mundo.
- Beleza! Só queria puxar um assunto, mas fica aí na sua, cara!
Ela se levantou e foi sentar ao lado do Velho para jogar xadrez e passar um tempo com Viras.
No balcão ao longe, Geléia começou a rir baixinho enquanto organizava seus copos artesanais e promocionais. Menino Ottis estava trocando cartas de jogo com Thelma quando viu o Artista e a Cineasta se desentenderem.
- O que aconteceu, Geléia?
Ele respondeu rindo:
- Alguém está apaixonado e agindo como tal.
- Eles deviam namorar! – Disse Thelma de repente.
Menino Ottis a olhou incrédulo e depois olhou para o amigo Artista sentado em seu canto.
- Ele é idiota mas nem tanto, Thelma.
"O mundo do Artista desabou. Tudo trincou, ficou preto e branco e o tempo parou." |