Finalmente
estava fazendo um pouco de frio. Ainda não era o frio desejado pelas pessoas
que gostam dele, mas era um frio onde as pessoas poderiam tirar blusas do
armário e cachecóis das gavetas, se assim quisessem. Gorros também poderiam ser
bem vindos. Em meio a pessoas reclamando da temperatura e do céu nublado andava
o Artista, levando consigo seu caderno e indo em direção ao lugar mais
aconchegante que conhecia.
Chegando ao
local, o rapaz viu pessoas paradas na porta de entrada. Algumas olhavam dentro
e depois iam embora, outras passavam reto, mas os clientes mais fiéis estavam
parados na porta como que esperando algo. O Artista se aproximou e perguntou
para a Cineasta:
- O que
está acontecendo? – E olhou para dentro do Café vazio.
- A placa
na porta diz “Fechado”, cara... Mas o Geléia nunca fecha nesse horário... –
Respondeu ela enquanto tentava esquentar as mãos esfregando-as.
- Sim, este
é o horário que todos saem do trabalho e querem um café... – Disse Tremoço, que
trazia consigo um rolo de corda no ombro e uma picareta em uma mão. Diego e
Ernesto tinham capacetes de segurança e pás.
Durante as
conversas sobre o que poderia estar acontecendo, Menino Ottis desceu de uma das
vidraças e disse:
- Ei,
pessoal! O Velho está lá dentro, como sempre! Quem sabe ele não possa abrir
para nós?
Todos
começaram a batucar no vidro tentando chamar a atenção do velho, que parecia
dormir com o sorriso estampado no rosto. Ele não se moveu.
- O Velho
inútil deve ter morrido! – Disse Ernesto, emburrado. Diego o socou no ombro.
Dado um
tempo todos viram Geléia vindo dos fundos do Café. Ele usava um suspensório e
chapéu. Se aproximou da porta envidraçada e abriu-a com a chave de um molho bem
recheado.
- Não viram
a placa, pessoal? – Ele perguntou, mas logo deu espaço para eles entrarem.
Geléia começou a colocar as cadeiras em cima das mesas.
- O que
está acontecendo, Geléia? – Helen se aproximou do amigo para fazer a pergunta.
- Estou
arrumando o lugar, oras.
- Para
ninguém? – Perguntou o viajante olhando em volta.
Geléia
suspirou. Depois de colocar mais uma cadeira em uma mesa ele lançou:
- Estou
fechando o Café.
Caos.
Tristeza. Depressão. O Gótico aparecera. Todos estavam em choque. Depois de
mais um tempo arrumando o local, e percebendo o desespero de seus amigos, ele
disse:
- É por um
tempo indeterminado. Estou precisando de umas férias...
- Mas você
adora trabalhar aqui!!! – Gritou Menino Ottis que estava com a cara toda
espremida por causa das lágrimas. Geléia o abraçou.
- Sim, eu
adoro. E vou sentir saudades de todos vocês.
- Então não
vá! – Diego abraçou o gerente que tossiu pela força do ato.
- Não podes
abandonar seu cargo, ó Taverneiro! Tens um dever para com este seu grupo de
amigos inigualáveis! – O Conde queria morrer de maneira Shakespeariana.
- Eu não sei para onde vou. Mas
vou para alguns lugares. – Geléia ajeitou sua roupa – Vocês me proporcionam as
melhores noites e as melhores histórias. Vocês tornam o cotidiano algo melhor.
Vocês tornam este lugar o que ele é... Mas sinto que, no momento, como o
contador de histórias que sou, preciso de histórias novas... Espero que
entendam...
Menino Ottis o abraçou mais uma
vez e disse:
- Boas férias, Geléia. Não se
esquece de voltar, tá?
- Não esquecerei, garoto.
Helen disse para ele aproveitar
ao máximo e que ele precisava mesmo de umas férias. A Cineasta disse para ele
voltar com o máximo de histórias possível. O Conde lhe deu uma adaga de prata
como um símbolo de boas aventuras e proteção na jornada. O Gótico lhe deu uma
lágrima em um frasco e sumiu sem ninguém ver. O Viajante pediu ajuda com a
bagagem emocional para sair do local. Os maiores pilantras do Café lhe pediram
ouro Peruano, caso passasse pelo Peru.
- Lhes trarei um baú. – Disse o
gerente, jovial como sempre.
Depois de todos se despedirem, o
Artista veio para perto do amigo.
- Se tornou uma obrigação não é?
– Disse por fim.
- O que? – perguntou Geléia.
O Artista gesticulou para o
local.
- Isso tudo... Seu sonho se
tornou um dever...
- É um motivo, devo admitir.
O Artista deu um pequeno sorriso
e abraçou o amigo.
- Vou sentir muito sua falta,
amigo...
Geléia não conseguiu conter a
lágrima.
- Prometo que é temporário.
- Aproveite bastante, Geléia.
Você merece. – Com isso, o Artista se virou e foi embora para a noite nublada.
Geléia pegou
sua mala, vestiu o casaco e pegou seu cachecol. Apagou as luzes e deu uma
última olhada para o seu local. Seu santuário. Fez um último carinho em Viras e
lhe assegurou que teria comida enquanto ele estivesse fora, pois pediu para um
amigo cuidar dele. Pegou finalmente as chaves e foi fechar a porta.
- Cuide bem
do local para mim sim, Velho?
O Velho fez
um pequeno gesto com a mão. Geléia sorriu.
- Prometo
não demorar.
"Cuide bem do local para mim sim, Velho?" |