O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Natal


            Todos sabem que o natal é uma época mágica. Muitos não querem acreditar nisso, mas nessa época, mesmo estes que desacreditam, se lembram de pessoas com quem quase nunca falam e compram presentes para familiares que aparecem em casa uma vez ao ano. É uma época que lembramos de todos mesmo que por um segundo e é também uma época para se passar com a família comendo, bebendo e contando histórias.
            Alguns preferem passar o natal com seus amigos mais próximos, seja por opção ou não. E esse era o caso daqueles que se encontravam no fechado Café do Geléia naquela noite. Todos estavam lá e o Geléia havia fechado o local e juntado algumas mesas para acomodar todos enquanto ele, Helen e a Cineasta terminavam de preparar uma deliciosa ceia. A mesa estava lindamente posta. Helen havia usado talheres de prata e a melhor louça que geléia tinha disponível e havia enfeitado a mesa com guardanapos e copos com temas natalinos.
            Enquanto a ceia estava ficando pronta os outros conversavam à mesa tomando goles de vinhos trazidos das terras do Conde.
            - Este que tens em mãos agora, artiste, é um clássico Chateau De Verenaux Aux Blendeau du Vin! – Dizia enquanto servia a bebida ao Artista Solitário.
            - É seco? – Perguntou o Artista com cara feia.
            - É doce. Suave, com um leve tom de esperança. Um vinho muito honesto e...
            - Ok, Ok. Vou experimentar. Sabe que não sou de beber e essa sua habilidade de sommelier me irrita!
            - Rá, Rá! Vai querer mais depois desse! Ninguém bebe apenas uma taça de Chateau De Verenaux Aux Blendeau du Vin!
            - É um nome bem comprido hein! – Disse Geléia chegando com travessas.
            Todos se aproximaram mais da mesa. Algumas travessas eram com saladas altamente enfeitadas e outras continham aperitivos deliciosos, especialidade do Geléia! A mesa farta enchia o coração do Viajante com um sentimento que o impedia de não sorrir. Ele preparava seu prato com cenouras, alface, tomates e brócolis, tudo temperado com azeite, sal e um molho de mostarda, alho e maionese feito pela Cineasta. O silêncio imperava no local enquanto todos se deliciavam com as entradas e se empolgavam ao sentir o cheiro que vinha da cozinha ao fundo.
            - Acho que falta uma coisa apenas... – Disse Geléia enquanto se dirigia ao seu velho Jukebox.
            - Precisamos mesmo de música quando não temos um quarteto de cordas depressivo? – Perguntou o Gótico enquanto cutucava sua comida.
            Todos riram e geléia apertou uma série de botões. Dado um tempo a musica começou. Nada mais do que um leve piano em um ritmo de jazz que fez alguns baterem os pés ao ritmo. A coleção de jazz que Geléia possuía era incrível e contava com grandes títulos que todos ali agora apreciavam enquanto o som de piano começava a ser acompanhado por uma bateria leve e um saxofone digno de filmes noir. A noite lá fora estava muito agradável e só faltava neve e uma lareira para tornar a noite perfeita.
            - Espero que não tenham se empanturrado, pessoal. Temos dois perus e esse monte de Conchiglione recheado para serem devorados! – Dizia Helen, seguida da Cineasta trazendo a tão esperada refeição.
            Todos aplaudiram e logo começaram a se servir. Mal haviam todos se servido quando a luz acabou.
            - Não! Um infortúnio dos mais desafortunados paira sobre nós! – Gritou o Conde (que tentou uma pose em cima da cadeira e só conseguiu cair dela).
            - Velas, Geléia, rápido! Os monstros do escuro estão chegando! – Gritou o Menino Ottis enquanto abraçava Diego, que tremia.
            - O que esse moleque está fazendo aqui? – Perguntou Ernesto depois de dar um tapa em Tremoço, fazendo-o entender o medo do amigo e acender um isqueiro.
            Geléia pediu a calma de todos e buscou algumas velas. Curiosamente, a mesa se tornou mais bonita ainda e todos sorriram.
            - Um natal a luz de velas... Romântico, hein? – Disse a Cineasta olhando para o Artista que só respondeu com uma risada e uma boa golada de vinho.
            Mesmo a luz acabando na rua toda, os clientes não ligaram. Estavam comendo, bebendo, conversando e rindo. Depois dessa refeição seria a hora de trocar os presentes e para a ocasião, Geléia havia montado uma bela árvore de natal e todos deixaram lá os presentes que haviam comprado. As sacolas e caixas estavam todas amontoadas em pilhas coloridas que deixavam a simples cena contra a luz das velas algo digno de uma lágrima.
            Geléia se sentou em uma poltrona e a arrastou para perto da árvore. Todos se sentaram a sua volta e ficavam aguardando ele distribuir os presentes. Menino Ottis tinha ganhado uma espada laser com 10 efeitos sonoros. O Gótico havia ganhado um relógio de bolso com uma foto antiga de uma mulher deprimida. O Conde tinha ganhado um manto roxo e dourado que acompanhava um capuz com os mesmos detalhes. Todos ganharam presentes excelentes e sorriam ao olhá-los e aprecia-los. O Artista tinha ganhado um conjunto de lápis de esboço Van Gogh e ficou olhando-os e pensando “Mas nunca que vou usá-los! Lápis acabam e esses são preciosos!” e enquanto se perdia em pensamento a Cineasta se aproximou.
            - Obrigado pelo retrato do “Casablanca”. É um filme favorito! – Ela se sentou ao seu lado.
            - Como sabia que era presente meu? – perguntou segurando a caixa de lápis que sabia que era presente dela.
            - Eu simplesmente sabia. – Sorriu. – E aí? Gostou dos lápis, mané?
            - Adorei! Mas vou ter medo de usá-los... Eles acabam...
            - Ei, os comece no ano novo e termine de usá-los ao final dele para representar o fim de algo e o início de uma coisa melhor! – Ela sorriu e o beijou no rosto.
            Ele ficou perplexo por um tempo e deu um abraço nela.
            - Obrigado. Tenho certeza que adorarei usa-los.
            - Bom mesmo. Eu os dei para serem gastos. – Ela sorriu e depois se levantou para ir conversar com Helen.

            Foi então que a luz voltou. E sabem de uma coisa? Ninguém percebeu pois eles não precisavam da árvore iluminada ou de lustres garbosos. Tudo que eles queriam estava bem ali, naquele Café, naquele momento com as pessoas que importam para eles. E Geléia sem poder esconder a felicidade com aquele sorriso gordo olhou para a cena e disse:
            - Um Feliz Natal de verdade...

Feliz Natal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

É tudo um jogo


            Todos já tiveram contato com jogos de tabuleiro. Eles estão em nossa cultura faz gerações e quando o ser humano atinge uma certa idade, ele joga jogos de tabuleiro. Desde “Detetive”, “Jogo da Vida” e “Banco Imobiliário” até os jogos mais obscuros que só se consegue importando. Mas os clássicos nunca morrem e não importa que jogo esteja sendo jogado pela maioria, sempre há alguém jogando xadrez.
            Era uma noite calma e a temperatura era agradável para se tomar um café no bom e velho estabelecimento. O local estava movimentado e como era de costume naquele dia da semana, as pessoas estavam jogando jogos de tabuleiro. O Artista estava jogando “Perfil” com a Cineasta. Diego, Ernesto e Tremoço estavam jogando “Banco Imobiliário” e Ernesto estava ficando muito nervoso. Menino Ottis, K.D., Thelma e Gregório estavam jogando um jogo que parecia complicado por conter miniaturas e mapas. Todos estavam fazendo algo do tipo enquanto apreciavam suas bebidas, menos o Viajante.
            Ultimamente todos perceberam que sua Bagagem Emocional estava maior e o homem agora custava a levá-la de cá para lá. Ele estava ali parado bebendo seu café preto quando viu um velho em um canto remoto do estabelecimento, sentado e com um sorriso estampado no rosto enquanto olhava para um tabuleiro de xadrez montado à sua frente. O Viajante viu o que todos estavam fazendo e, vendo que o velho estava tão quieto quanto ele, decidiu se aproximar.
            - Boa noite, senhor. – Arriscou.
            O Velho levantou o rosto para que o Viajante visse seu semblante por debaixo do chapéu.
            - Sim, meu jovem? – Ele disse abrindo de leve os olhos.
            A pele negra do homem tinha rugas que lhe davam um ar centenário. E o cabelo branco era impecável e da exata mesma cor de sua roupa.
            - Se importa se eu jogar uma partida com o senhor? – Perguntou o Viajante se apoiando na cadeira.
            - Sim, por favor. Sente-se.
            Ele se sentou e se ajeitou. Começou a olhar o tabuleiro enquanto ao fundo de sua visão o velho se voltava lentamente para a mesa e trazia a cadeira mais para perto. Seu sorriso não sumia. Os dois ficaram se olhando até que o velho gesticulou para o homem.
            - O desafiante começa. Por favor, jovem.
            O Viajante foi tocar em sua primeira peça, o Cavalo, quando o velho o interrompeu:
            - Tome seu tempo, garoto.
            Mas ele já havia pensado em sua jogada e mexeu sua peça. O Velho o fez com a exata mesma rapidez e o jogo assim se seguiu. Talvez pela inexperiência do Viajante, ou talvez pelo conhecimento do senhor sobre o jogo, ele perdeu e ali ficou olhando o tabuleiro tentando entender onde ele errou.
            - Você é bom, senhor.
            O senhor começou a ajeitar as peças e deu uma leve risada com a voz rouca, digna de um cantor de blues.
            - Quer tornar o jogo mais interessante? – Perguntou o velho enquanto ajeitava o Rei.
            - O que tem em mente?
            - Você não terá nada a perder além do jogo. Mas se ganhar de mim eu te dou algo de muito valor.
            - E isso seria?
            - Algo de muito valor. Acredite. – E abriu um sorriso levemente amarelado.
            - OK. Eu topo.
            E eles jogaram mais uma, duas, três partidas naquela mesma noite. O Viajante perdeu todas e franzia a testa a cada novo jogo enquanto o velho simplesmente sorria e dizia para ele ir com calma e pensar em seus próximos movimentos. Quando já estava tarde o Viajante se retirou e o velho continuou por lá com seu sorriso e o tabuleiro sempre montado à sua frente.
            Toda semana o jovem ia até o Café com o intuito de jogar com o velho e toda semana ele perdia. Ele praticou e praticou jogando sozinho e com outras pessoas, mas ele sempre perdia do Velho. Começou a vir mais vezes ao longo da semana, cada vez mais determinado a ganhar ao menos um jogo. Todos perceberam duas coisas nesse tempo todo: Uma era que a cadeira à frente do velho nunca era tomada por ninguém além do Viajante, outra era que a Bagagem parecia cada vez mais leve.
            Foi em um fim de tarde muito bonito e sob um céu laranja flamejante que o maior jogo aconteceu. O Viajante veio com a determinação de sempre, disposto a derrotar o Velho e se sentou na cadeira, fitando o tabuleiro grande que se estendia a sua frente.
            - Lembre-se: sem pressa. Pense em seus movimentos.
            O Viajante concordou com a cabeça e começou mexendo sua primeira peça. A partida estava acirrada, peça atrás de peça era tomada pelos dois jogadores e a partida se estendeu e se estendeu até o sol dar espaço a lua para ela ascender cada vez mais. As pessoas começaram a se reunir em volta da mesa para ver as jogadas até que... Xeque-Mate! O Viajante havia conseguido!
            -... Ganhei? Rá! Ganhei! ...não acredito... – Se esparramou na cadeira.
            O Velho gargalhou e disse aos risos:
            - Sim, você ganhou, meu jovem e como prometido eu lhe daria algo de valor.
            O senhor colocou a mão no bolso da camisa e de lá tirou uma moeda e a deu ao Viajante que a olhou incrédulo.
            - Uma moeda? – Era uma moeda de cobre tão velha quanto a humanidade. Não tinha um valor escrito e o rosto talhado nela era indecifrável. Ele não sabia o que fazer com aquilo, mas guardou da mesma maneira, como símbolo de uma vitória.
            - Obrigado, senhor. – Ele se levantou e pegou sua Bagagem enquanto se dirigia para fora do Café. – E a propósito, bom jogo, hein? – Sorriu. O Velho sorriu de volta.
            Ele ficou olhando a moeda enquanto se dirigia à porta e foi parado por um homem vestindo um terno muito bem cortado.
            - Com licença, meu amigo, mas não pude deixar de notar a moeda em suas mãos. Será que eu poderia dar uma olhada?
            O Viajante deixou e o homem a olhava fascinado.
            - Meu amigo. Estou disposto a lhe dar algo por ela! Veja bem, esta é a moeda que falta para eu completar uma coleção iniciada à muito tempo... E eu estaria disposto a dar algo de valor sentimental por ela. – O homem mexeu nos bolsos e tirou um simples botão branco. – Pertencia ao uniforme do meu pai que faleceu durante seu tempo de serviço no exército...
            Com espanto no rosto, o Viajante aceitou o botão e disse com um sorriso nostálgico no rosto:
            - Troco com a maior honra, senhor. Este botão era o que faltava para a coleção que comecei com meu irmão quando éramos jovens... Eu sempre quis completá-la... Obrigado. Mesmo!
            Dito isso, os dois partiram. E o Velho deu mais uma risada.

            Geléia veio ao lado do velho lhe trazendo seu café com leite e perguntou sorrindo:
            - O que fez desta vez, senhor?
            Ele sorriu e disse:
            - Eu apenas o ajudei a apreciar um jogo. Ele carregava muita mágoa e culpa consigo.
            - Rá, rá! Acho que quando focamos nossa força de vontade em algo novo, tendemos a nos esquecer de sentimentos que no fundo...
            - Só fazem peso. – Concluiu o velho
            Os dois sorriram juntos enquanto o Velho apreciava sua bebida.

"Lembre-se: sem pressa. Pense em seus movimentos."

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Horror

            Certa vez um autor disse que era errado associar o horror ao escuro, o silêncio e a solidão. Ele até poderia estar certo, mas no escuro, o medo é sempre muito maior e ele com certeza é um dos medos mais comuns em mentes primitivas como a mente humana.
            Era noite e uma lua gibosa se estendia pelo céu noturno como um mau agouro navegando entre estrelas. O Café estava aberto, mas já era tarde da noite e ninguém mais passava pela porta fechada. Os clientes de sempre estavam lá e haviam juntado algumas mesas para sentarem todos juntos enquanto Geléia tentava achar algo que prestasse para ser assistido na televisão.
            - Ei! – Interrompeu Menino Ottis ao ver que, talvez, nenhum canal prestasse. – Vamos aproveitar a noite de hoje para contar histórias de terror!
            Todos pararam de tomar suas bebidas e olharam para o garoto enquanto a Cineasta arriscava:
            - Não está tarde demais pro Ottis estar aqui, Geléia?
            Ottis se sentou emburrado.
            - Oi? – Respondeu um Geléia distraído. - Ah, sim! ... Acho que sim. Mas ele já está aqui, certo? E gostei da idéia dele!
            - É, nada melhor do que se reunir em um local favorito e contar histórias. – Disse o calado Viajante depois de degustar um pouco de seu café preto.
            Dita essa ultima frase as luzes foram apagadas e Geléia deixou uma vela grande no centro da mesa e se sentou com os outros.
            - E quem começa?
            - Eu tenho uma história! – Bradou o Conde se levantando de sua cadeira. – Ela tem um amor perdido! Um duelo com a própria morte e uma entidade que não pode ser nomeada por meros modos que outrora...
            - Peraí, cara! – Disse o Artista. – Vamos começar com algo mais leve... Isso parece uma saga!
            Uma luz de celular se acendeu logo abaixo na cara da Cineasta.
            - Então eu vou contar uma! A história de um espírito japonês, a Kuchisake Onna... – Todos se aquietaram e ela logo começou. – Dizem que há muito tempo atrás, no Japão feudal, um samurai tinha tudo que queria. Uma posição como guarda-costas do Shogum, todo o dinheiro que quisesse, terras e, o seu bem mais precioso, a mulher mais bela da província. Ele a amava mais do que tudo, mas o mesmo não podia ser dito dela. Ela o traía com outros homens quando ele estava longe em batalhas e nenhum homem a negava, por mais que ela fosse esposa do Samurai mais temido do local. Um dia, este samurai a encontra com outro homem! Ele mata o homem e com a mesma espada ensangüentada se aproxima cada vez mais de sua mulher aterrorizada.
            Ela fez uma pausa e batia na mesa de madeira imitando passos. Sua voz baixou levemente quando ela retomou:
            - Ele perguntou a ela “Você se acha muito bonita, não é?”. A mulher nada respondeu então ele perguntou de novo “Você se acha muito bonita, não é?”. Ela só implorava para que ele parasse e então ele disse “Eu vou te dar algo para que ninguém mais te ache bonita!” e logo cortou a boca da mulher... De orelha a orelha... – Todos se assustaram. – E ele a deixou lá para morrer. Dizem que o espírito dela vaga até hoje e pode ser encontrado em noite com neblina como a de hoje. Ela possui um sobretudo e uma mascara cirúrgica para esconder sua aparência e dizem que debaixo do sobretudo existe uma tesoura... PARA CORTAR AS BOCAS DOS DESAVISADOS!!!
            O Conde estava debaixo da mesa. Menino Ottis estava abraçado com o Artista solitário e o Viajante não conseguia levantar sua xícara.
            - ... Excelente! – Exclamou Geléia. – Alguém tem mais alguma?
            Um vento gélido soprou pela janela mais próxima do canto mais escuro da mesa onde estava o Gótico com seu olhar pesado. Um arrepio subiu pela espinha de todos e a Cineasta apertava forte a mão do Artista que sorriu idiotamente com o gesto.
            - Eu tenho uma, se me permitirem contar diante de tão fatídica noite...
            Todos estavam calados diante da imagem alta e sombria que se projetava na luz fraca falando com aquele tom grave de voz, como uma voz direto da sepultura.
            - Por favor, amigo.
            O Gótico se aproximou da luz da vela e começou:
            - Minha história começa em uma noite como esta... Uma garota voltava para sua casa sozinha depois do colégio. Enquanto andava, ela percebeu que a rua estava mais deserta que o normal. Ela ficou muito inquieta, seu estresse já estava demais para agüentar. Seu namorado havia terminado com ela, ela não estava indo bem no colégio e seus pais brigavam cada vez mais. Ela continuou seu percurso pela rua levemente escura pelas luzes fracas dos postes e ao longe ela viu algo.
            As pessoas se aproximavam do Gótico e de si mesmas para lidar com o terror do momento. Ele continuou com sua voz de cemitério:
            - Ao longe ela viu o que parecia ser uma mulher. Ela vestia um pijama velho e ela mal conseguia ficar em pé. A garota estranhamente se sentiu compelida a ir à direção da figura e quanto mais se aproximava, mais o seu medo aumentava, pois ela viu que os membros da moça estavam retorcidos! A garota parou. – O Gótico fez uma pausa dramática e olhou seu público que tremia tanto que era quase possível ouvir o barulho. – Ela parou e a forma a sua frente rapidamente torceu a cabeça para trás produzindo um barulho de pescoço quebrado! A garota ficou tão assustada que simplesmente saiu correndo não importando para onde e quando ela percebeu, ela estava próxima da linha do trem. Mas já era tarde... O trem passou em toda sua velocidade e partiu a jovem ao meio! – Todos saltaram de seus lugares. – O corpo da jovem nunca foi encontrado e ela foi dada como desaparecida... Mas alguns que conhecem esta história dizem que a moça anda por aí, um torso rastejante, com uma foice, andando apoiada apenas nos cotovelos, procurando vítimas para dilacerar. E alguns dizem que a menina estava grávida quando morreu e que agora, de seu ferimento aberto no abdômen, sai uma parte de um bebê que sempre chora para sua mãe parar!
            Todos gritaram e se aproximaram. O Artista meio que fechou os olhos e soltou um riso bobo quando a Cineasta o segurou.
            - Ah! Essa foi muito boa! Será que alguém mais...
            Geléia foi interrompido por um som que calou a todos. O som de algo rastejando e um metal raspando em algum lugar. Geléia olhou para trás, mas o escuro era muito então ele se levantou para ver o que era. O silêncio durou pouco e se seguiu com o som de algo de metal caindo. Todos os clientes saíram correndo do café gritando e derrubando cadeiras.

Geléia percebendo o alvoroço deu uma risada e prosseguiu em direção ao barulho e viu que nada mais era do que seu gato, Voltaire, mexendo em algumas tralhas. Ele o segurou nos braços e disse sorrindo:
            - Voltaire, Voltaire... Você assustou todos aqui, hein! – Fez carinho em seu queixo e ficou assustado quando percebeu algo...

            Ele não havia apagado as luzes antes das histórias começarem...

O Gótico se aproximou da luz da vela e começou: "Minha história começa em uma noite como esta..." [...]

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dia Chuvoso


            Às vezes as melhores memórias vêm em dias chuvosos. A chuva tem esse poder estranho, ela cai alto do céu, bate no chão e as milhares de gotas fazem um som agradável, quase hipnotizante, que faz aqueles que estão dentro de um aposento ou estabelecimento pararem por um instante para ficar observando a água escorrendo pelos vidros, descendo rua abaixo como um pequeno córrego ou saindo por uma velha calha no seu canto favorito.
            Existem pessoas que vêem a chuva como uma oportunidade para sair, sem rumo, e pensar em tudo, tudo que vier à cabeça durante sua caminhada ou passeio de carro por um mundo cinza que a poucos agrada. Alguns pegam seus guarda-chuvas e vão embora a pé e chuva adentro enquanto outros pegam as chaves do carro e dão a partida para uma jornada curta, mas muito esclarecedora por mais que deprimente às vezes. Mas uma coisa que todos esses peregrinos do dia-a-dia fazem é parar em algum momento, estejam eles longe ou perto de casa, eles simplesmente não querem voltar. O asfalto molhado que produz o som familiar de rodas espalhando água pelos cantos é agradável aos ouvidos depois da jornada e faz com que a pausa pareça mais ainda um santuário dentro de um mundo agitado que nunca dorme ou pára por causa das lágrimas dos céus.
            Neste momento estas pessoas escolhem locais favoritos ou locais novos para ser seu santuário temporário. Pode ser um restaurante onde os aperitivos e pratos principais já foram provados em ótimos momentos da vida e a bebida desce com um gosto nostálgico que trás um sorriso inconsciente e leves cócegas na espinha. Muitas vezes o santuário é uma livraria onde nem sempre o silêncio impera, mas todos estão focados em leituras, em buscas infinitas por livros que eles mesmos não sabem que buscam. Este santuário se torna mais um lugar onde se está cercado de pessoas, sons e histórias, mas ao mesmo tempo se está sozinho. Mas na maioria das vezes, este lugar é um café. Um estabelecimento em uma esquina pouco movimentada que estranhamente atrai toda sorte de indivíduo. Muitos passam, tomam seus cafés rápidos e outros ficam. Principalmente em dias chuvosos.
            E enquanto lá estão, observando a chuva cair, vêm as memórias. Um homem com muito que contar, mas sem muita vontade de fazê-lo pode ver seu irmão longínquo na chuva e sua saudade correrá pelo seu corpo como a água que cai. Uma jovem diferente com muito conhecimento de pouca aplicação pode ver seus sonhos mais distantes no vidro molhado por pequenas cachoeiras e dar um esperançoso sorriso. Um menino pode sair lá fora e pular em poças com seus amigos, rindo e se divertindo em mais uma situação que torna sua vida tão agradável. Três amigos podem chegar encharcados, se sentar e logo começar a discutir idéias sem muito se entenderem, mas gostando do momento que passam juntos.
            E ao mesmo tempo em que tudo isso pode acontecer, também pode existir um jovem. Um jovem com sonhos, idéias e toda uma história. Ele pode olhar para a janela, tirar seu gorro e lembrar de muito. O que o fez chegar até aqui, as pessoas que ele já amou, as pessoas que se foram, as pessoas que não o compreenderam, as pessoas que nunca vão voltar, os amigos que se vão sem dar explicação. Tudo. E ele pode ficar olhando pela janela por horas enquanto o gerente do lugar às vezes se pergunta se algo foi arrancado daquele jovem ou se ele talvez perdeu alguma coisa pelo caminho e esta é a hora de se arrepender.

            O jovem até poderia se dirigir ao seu amigo gerente e dizer que está tudo bem. Mas ele está muito ocupado pensando o tempo todo no sentimento tão antigo que finalmente voltou para seu coração, assim como a chuva que cai.

"Ele pode olhar para a janela, tirar seu gorro e lembrar de muito."