O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Necessário



            “Você viu minhas digitais em alguma evidência? Não? Foi o que pensei mesmo. Então aqui estamos, com você sem muito com o que me acusar e eu sem muito o que falar. Não vai conseguir nada de mim e dos meus parceiros pois não fizemos nada, então você pode pegar essa conversa de policial durão e enfiar em um lugar não muito convidativo, entendeu? A propósito... Se fizer algo com os meus amigos eu juro que arranco a sua pele com um estilete enferrujado e jogo ela para os seus próprios cães se refestelarem! E digo mais!”
            “Consegui passar de tela!” Bradou Diego, rindo.
            “Como assim? Parecia impossível!” Exclamou Tremoço, que se levantou de sua cadeira e foi correndo ver o jogo ao lado do amigo.
            Ernesto estava furioso. O café estava quase vazio, eles tinham conseguido o canto escuro onde Ernesto geralmente construía seus grandes esquemas e tudo que eles precisavam era ensaiar. Mas o grupo não estava cooperando. Diego parou de dar risadas, mas com um sorriso virou-se para Ernesto.
            “O que você estava dizendo?”
            Ernesto socou a mesa.
            “Eu estava simplesmente ensaiando o nosso plano combinado anteriormente!” Suas orelhas estavam quentes agora e ele começou a afrouxar a gravata.
            “Ah, sim!” Diego disse voltando a atenção para o computador portátil. “Mas já falamos sobre isso, lembra? Eu entro pelo portão 3. Com um alicate corto arames e o uso como arma em um dos guardas.”
            “É” Continuou Tremoço “Depois disso Serpente Dourada se encontra com Águia de Bronze no setor cinza. Armas em mãos. Está tudo decorado, Ernesto.”
            “Pensei que não usaríamos codinomes...” Disse Diego, pensativo.
            “Está tudo planejado e não usaremos mais codinomes! Se vocês prestassem atenção veriam que estou treinando o discurso que faremos quando formos pegos, mas vocês estão muito ocupados com bugigangas eletrônicas!” Sua cabeça poderia explodir agora mesmo “Pra que precisam disso afinal? Tremoço, você mal tem dinheiro pra tomar seus cafés mas faz questão de ter dois celulares!” o baixinho quase se levantou da cadeira. “E você, Diego! Você deve usar a mesma camisa desde a sétima série, mas gasta o dinheiro que não tem em joguinhos e computadorezinhos que parecem tabuas! E aqui estou eu! Fazendo todo o trabalho difícil tentando arrumar um trampo honesto para tirarmos uma grana!” Se sentou emburrado.
            “Honesto?” Diego espremeu os olhos na medida do possível com o design natural de seu rosto.
            “Ah! Vocês entenderam!” Ernesto se levantou nervoso e foi para o balcão esfriar a cabeça longe de seus amigos.
            Depois de um intervalo, Tremoço disse baixinho antes de tomar um gole de café.
            “É um celular e um rádio, ok?”

            Ernesto se sentou no balcão tirou o chapéu e começou a coçar a cabeça, como faz a maioria das pessoas irritadas. Geléia veio de fininho e disse:
            “Dia difícil?”
            “Com parceiros como aqueles são raros os dias fáceis. Você faz todo um plano para um rou... Para uma jogada de marketing perfeita e eles não agem de acordo com o plano!” Parou por um instante “Me dê um refrigerante, Geléia, por favor...” Abaixou a cabeça no balcão.
            “Precisa de muito dinheiro e rápido?”
            “Só o suficiente para uma televisão nova...”
            E de repente a resposta de Ernesto soou levemente esquisita em sua própria cabeça.

" “Consegui passar de tela!” Bradou Diego, rindo."

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Frustração


            Era noite. Uma noite agradável. Não estava quente, nem frio, o clima era ótimo para usar uma camiseta e calças sem reclamar de sequer uma peça de vestuário. Também era uma noite agradável para tomar um café naquele lugar de sempre, na esquina da Orlontis com a Coronel Verde, aquele lugar quase sempre movimentado em noites como esta.
            A música estava agradável como sempre e no balcão estavam os clientes mais clássicos conversando com o gerente que trabalhava enquanto fazia parte das conversas. Enquanto isso, na televisão, passava “RoboCop” e poucos estavam assistindo. Estavam mais entretidos com aparelhos eletrônicos e conversas do que com o filme altamente violento.
            - Cara, eu adoro esse filme! – Dizia a Cineasta enquanto virava um pouco do cappuccino morno para dentro da boca.
            - Ele não deveria ter motivação agora que não reconhece a mulher e o filho... – Disse o Gótico com a voz costumeira enquanto segurava um grande copo de absinto.
            - A motivação dele são as diretivas. Ele é uma máquina, oras! – Disse o Artista Solitário.
            - “Meio máquina. Meio Humano. Totalmente Policial” – Disseram a Cineasta e o Artista em uníssono, demonstrando seu conhecimento sobre o filme.
            A conversa sobre cinema e afins seguiu rumo e era perceptível a sabedoria cinematográfica de cada um dos ali presentes. Depois de alguns minutos de conversa, a porta abriu com um grande barulho e, se isso fosse um filme, a música pararia, todos olhariam para o portal de entrada e alguém deixaria cair o cigarro da boca. Nada disso aconteceu. Em vez disso, os clientes do balcão olharam para a porta e viram que Menino Ottis estava chegando pisando forte até o balcão. Ele tinha um videogame em mãos.
            - Refrigerante, Geléia. Não importa qual! Nada mais importa! – Disse enquanto se virava no assento voltando-se para o resto do café, dando as costas ao balcão. Todos se entreolharam e o Artista decidiu começar um diálogo com o pequeno amigo.
            - Perdeu no jogo, Ottis?
            - Não. – Ele disse sem tirar a atenção para com o nada. – Só estou frustrado.
            - Não consegue passar de tela? Odeio isso também! Uma vez eu... – Tentou dizer a Cineasta que foi logo interrompida por Ottis.
            - Eu passo de telas. Estou frustrado por que... – Seu refrigerante havia chegado e ele bebeu um gole. – Estou frustrado por que, olha só: Quando eu jogo videogames eu tomo conta de personagens... Eles podem ser piratas, comandantes de naves espaciais, super-heróis, ninjas, feiticeiros, qualquer coisa! A frustração vem quando eu desligo. Eu desligo e de repente controlo o que? Um menino que vai mal em matemática e apanha na escola? Isso é horrível!
            - Ah, qual é. Você pode usar sua imaginação. Ainda tem muito tempo para brincar. – A Cineasta tentava confortar o garoto desolado.
            - Eu imagino as coisas e brinco com meus amigos, mas brincadeiras acabam assim como os jogos. Confesso que estou tentando me ocupar para não pensar nas armaduras que meu comandante espacial vai usar!
            A Cineasta parou por um tempo.
- Relaxa. Você só está um pouco viciado, isso é normal. Mas é melhor tomar cuidado para não misturar ficção com realidade.
Ela terminou seu cappuccino e se despediu dos amigos.

Quando todos começaram a ir embora, o Artista se sentou ao lado de seu pequeno amigo e disse:
- Sabe... Você deve ser forte nessas horas, Ottis.
O menino olhou com olhos arregalados para o jovem artista, que continuou.
- Você precisa ser forte por que... – Uma lágrima quase lhe correu o rosto. – Por que um homem só pode ser feliz de verdade na vida se tiver uma das três coisas: Uma nave espacial, Um robô gigante ou super poderes...
Ottis ficou desolado.
- Sinto muito amigo, mas essa frustração nunca vai sumir.
E lá ficaram os dois tentando esquecer tudo que estavam perdendo enquanto eram humanos normais em um mundo normal.

"Sabe... Você deve ser forte nessas horas, Ottis."

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Não Pertence


            Muitos podem ser atraídos para um restaurante chique, para um boteco de esquina ou, como em muitas vezes, são atraídos por um singelo e bonito café em uma esquina de duas ruas não muito conhecidas. Diversidade era uma palavra comum entre a clientela quando o movimento estava em alta no estabelecimento. Era possível ver os mais diversos grupos de pessoas se relacionando sentadas em suas cadeiras confortáveis, diante de mesas pequenas ou médias enquanto bebiam cafés, chás ou refrigerantes.
            Geléia estava arrumando as bebidas nas prateleiras atrás do balcão quando, em meio ao burburinho, ouviu a porta se abrir, dando origem a um novo cliente. Era um mulher meio baixa, com cabelos pretos e olhos levemente amendoados e não era do tipo que chamava atenção em meio a uma multidão. Ela se movia normalmente até o balcão, passando assim por mesas que continham de tudo, desde jogadores de videogame viciados, até metaleiros e também dando uma entrada nos góticos leitores de poesia, terminando no grupo que praticamente só ouvia MPB. Ela se sentou ao balcão e, depois do costumeiro “Boa tarde” fez o seu pedido para Geléia, que atendeu rapidamente.
            Enquanto ela bebericava um pouco da soda italiana, ela olhava para os televisores e de vez em quando para os grupos que estavam dividindo o local com ela.
            - Você tem uma clientela bem variada aqui, senhor. – Ela disse olhando com um sorriso para o gerente.
            - Ah, sim. Gosto do fato de todo o tipo de gente vir aqui.
            Enquanto eles conversavam, alguém deu um grito agudo nas mesas lá atrás. Era alguém tentando expressar harmonia, mas só conseguiu dissonância.
            - Cara, não me conformo com esses tipos... – Ela disse mexendo a cabeça em movimento de negação e voltando seu olhar para a madeira no balcão.
            Geléia riu.
            - Alguns reclamam. Mas também reclamam dos góticos ali e dos rapazes do MPB que as vezes vem aqui. – Fez uma pausa – Alguns sambistas as vezes recebem uns olhares nervosos. – Riu mais uma vez e continuou servindo pessoas no balcão, mas sempre junto da cliente para ouvir o que ela queria falar.
            - Sabe... Eu já fui de muitos grupos ao longo da minha vida. – Bebeu mais soda. A bebida desceu refrescante e saborosa por sua garganta levemente seca. – Quando eu era mais nova eu poderia dizer que pertencia àqueles ali – Apontou para os góticos. – Quando somos jovens achamos que o mundo está contra nós e que nada vale a pena. Então queremos ser diferente e dizer ao mundo que sua dor é muito maior que a de todos presentes no planeta. Aí você escreve textos depressivos e ouve musicas cabisbaixas e anda com uma cara de morto que faz com que todos se afastem.
            Geléia fazia apenas murmúrios aprovando que ela continuasse a história.
            - Mais tarde percebi que a vida poderia ser muito divertida com meus amigos e comecei a ouvir muita música pesada. Íamos juntos a shows, festas e ficávamos muitas horas na rua sem fazer nada, só ouvindo musica e jogando conversa fora. – Olhou para trás então. – E sempre tem aquele seu amigo que acha que canta muito e solta gritinhos como esse...
            O gerente estava se divertindo com o jeito da cliente falar.
            - É complicado! – Ela disse rindo. – Eu gosto de musica pesada, mas não preciso gritar para o mundo que eu gosto disso usando camisetas de banda e essas coisas. E eu gosto de jogos de RPG, mas ei! É necessário agir como se eu acreditasse mesmo que sou um Guerreiro Dragão? E quanto ao pessimismo de ser gótico... Você pode fazer terapia e pronto, não precisa ficar dizendo “Ai de mim!” por aí. – Terminou sua soda e concluiu o raciocínio. – Enfim... O que percebi nesses anos é que eu não pertenço a nenhum dos grupos das coisas que gosto...

            Passado um tempo e conversas jogadas fora, a cliente pagou sua conta e se levantou. Pegou a bolsa, a colocou no ombro e segurou o casaco na altura da barriga. Se despediu do gerente, mas logo se virou e perguntou:
            - Você é o Geléia ou o nome do café é simbólico?
            - O nome é por causa do meu apelido, na verdade – disse sem graça.
            - Gostei daqui! Acho que vou voltar mais vezes.
            - Fico feliz que tenha gostado, senhorita... ? – Deu espaço para a moça responder seu nome.
            - As pessoas me chamam do mesmo jeito desde a época de gótica. – Riu e disse com um pouco de vergonha. – Skulz.

"Sabe... Eu já fui de muitos grupos ao longo da minha vida."