O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Não Pertence


            Muitos podem ser atraídos para um restaurante chique, para um boteco de esquina ou, como em muitas vezes, são atraídos por um singelo e bonito café em uma esquina de duas ruas não muito conhecidas. Diversidade era uma palavra comum entre a clientela quando o movimento estava em alta no estabelecimento. Era possível ver os mais diversos grupos de pessoas se relacionando sentadas em suas cadeiras confortáveis, diante de mesas pequenas ou médias enquanto bebiam cafés, chás ou refrigerantes.
            Geléia estava arrumando as bebidas nas prateleiras atrás do balcão quando, em meio ao burburinho, ouviu a porta se abrir, dando origem a um novo cliente. Era um mulher meio baixa, com cabelos pretos e olhos levemente amendoados e não era do tipo que chamava atenção em meio a uma multidão. Ela se movia normalmente até o balcão, passando assim por mesas que continham de tudo, desde jogadores de videogame viciados, até metaleiros e também dando uma entrada nos góticos leitores de poesia, terminando no grupo que praticamente só ouvia MPB. Ela se sentou ao balcão e, depois do costumeiro “Boa tarde” fez o seu pedido para Geléia, que atendeu rapidamente.
            Enquanto ela bebericava um pouco da soda italiana, ela olhava para os televisores e de vez em quando para os grupos que estavam dividindo o local com ela.
            - Você tem uma clientela bem variada aqui, senhor. – Ela disse olhando com um sorriso para o gerente.
            - Ah, sim. Gosto do fato de todo o tipo de gente vir aqui.
            Enquanto eles conversavam, alguém deu um grito agudo nas mesas lá atrás. Era alguém tentando expressar harmonia, mas só conseguiu dissonância.
            - Cara, não me conformo com esses tipos... – Ela disse mexendo a cabeça em movimento de negação e voltando seu olhar para a madeira no balcão.
            Geléia riu.
            - Alguns reclamam. Mas também reclamam dos góticos ali e dos rapazes do MPB que as vezes vem aqui. – Fez uma pausa – Alguns sambistas as vezes recebem uns olhares nervosos. – Riu mais uma vez e continuou servindo pessoas no balcão, mas sempre junto da cliente para ouvir o que ela queria falar.
            - Sabe... Eu já fui de muitos grupos ao longo da minha vida. – Bebeu mais soda. A bebida desceu refrescante e saborosa por sua garganta levemente seca. – Quando eu era mais nova eu poderia dizer que pertencia àqueles ali – Apontou para os góticos. – Quando somos jovens achamos que o mundo está contra nós e que nada vale a pena. Então queremos ser diferente e dizer ao mundo que sua dor é muito maior que a de todos presentes no planeta. Aí você escreve textos depressivos e ouve musicas cabisbaixas e anda com uma cara de morto que faz com que todos se afastem.
            Geléia fazia apenas murmúrios aprovando que ela continuasse a história.
            - Mais tarde percebi que a vida poderia ser muito divertida com meus amigos e comecei a ouvir muita música pesada. Íamos juntos a shows, festas e ficávamos muitas horas na rua sem fazer nada, só ouvindo musica e jogando conversa fora. – Olhou para trás então. – E sempre tem aquele seu amigo que acha que canta muito e solta gritinhos como esse...
            O gerente estava se divertindo com o jeito da cliente falar.
            - É complicado! – Ela disse rindo. – Eu gosto de musica pesada, mas não preciso gritar para o mundo que eu gosto disso usando camisetas de banda e essas coisas. E eu gosto de jogos de RPG, mas ei! É necessário agir como se eu acreditasse mesmo que sou um Guerreiro Dragão? E quanto ao pessimismo de ser gótico... Você pode fazer terapia e pronto, não precisa ficar dizendo “Ai de mim!” por aí. – Terminou sua soda e concluiu o raciocínio. – Enfim... O que percebi nesses anos é que eu não pertenço a nenhum dos grupos das coisas que gosto...

            Passado um tempo e conversas jogadas fora, a cliente pagou sua conta e se levantou. Pegou a bolsa, a colocou no ombro e segurou o casaco na altura da barriga. Se despediu do gerente, mas logo se virou e perguntou:
            - Você é o Geléia ou o nome do café é simbólico?
            - O nome é por causa do meu apelido, na verdade – disse sem graça.
            - Gostei daqui! Acho que vou voltar mais vezes.
            - Fico feliz que tenha gostado, senhorita... ? – Deu espaço para a moça responder seu nome.
            - As pessoas me chamam do mesmo jeito desde a época de gótica. – Riu e disse com um pouco de vergonha. – Skulz.

"Sabe... Eu já fui de muitos grupos ao longo da minha vida."

Um comentário:

Ly disse...

Nossa, esse texto SOU EU. Se voce nao tivesse descrito a personagem como baixa, eu saberia que sou eu ahuehuashu.