O Artista
estava sozinho. O Gótico estava sozinho. Helen estava sozinha. Muitos estavam
sozinhos naquele dia. O Café estava quase vazio e poderia ser considerado uma
entidade solitária. Geléia estava sentado em seu balcão tentando remover uma
mancha na madeira que estava lá havia, mais ou menos, duas semanas. A jukebox
estava silenciosa, o vento lá fora estava parado, a presença do gótico não
estava arrepiando espinhas e tudo parecia meio fora do comum.
Helen
olhava para os lados desconfiada de algo que nem ela sabia o que era. O Gótico
se levantou bebendo absinto, deu um suspiro e se dirigiu até a mesa do Artista
que, estranhamente, não estava desenhando ou escrevendo. Ele estava coberto com
a própria blusa enquanto olhava o dia lá fora. Um dia cinza, cinza e solitário.
- Alguma
coisa te perturba... – Sua voz causou espanto no jovem que o olhou com olhos
trêmulos.
Depois de
respirar fundo e piscar algumas vezes, sua resposta veio serena:
- É só um
sentimento...
O Gótico se
sentou.
- Você tem
pensado muito ultimamente, não?
O Artista
concordou, mas ficando calado e com um sorriso levemente dúbio em seu rosto
fofo. Helen, que antes estava distraída mexendo um copo de cerveja, se levantou
e foi ver o que os dois estavam conversando.
- Também
estão sentindo algo é?
Os dois
apenas fizeram um som de afirmação e logo Helen se juntou a eles na mesa. Os
três ficaram olhando pela janela enquanto o mundo cinza parecia parado e
imutável. Alguma coisa pairava no ar e todos se sentiam meio deslocados ou com
um leve sentimento indescritível... Aquele que vem quando você pensa em
oportunidades ou no famoso “e se...”. Um sentimento quase vazio que recheia sua
alma e sua mente com dúvidas que nunca poderiam ser respondidas sem voltar no
tempo, ou era aquele simples sentimento de que tem algo errado e você nunca vai
saber o que é, você irá simplesmente se esquecer uma hora ou outra.
- Tô
pensando em umas coisas...
Helen olhou
para o Artista com um ar curioso. O Gótico apenas bebeu seu absinto de uma
maneira tediosa.
- Vez ou
outra me bate essa coisa... Sabe aquela decisão ruim que você tomou, dentre
tantas outras, que poderia ter mudado completamente alguns poucos anos de sua
vida?
Geléia,
vendo que os amigos estavam em uma única mesa e juntos, decidiu se levantar
para se sentar junto à eles e, ouvindo o que o Artista disse, logo falou:
- Acho que
todos temos essas memórias...
- Sim –
Disse Helen olhando para dentro de seu copo. – Aquela viagem que você tinha a
chance de ir mas nunca foi...
- Ou aquele
absinto a mais que você tomou na presença da mais bela rainha da noite... –
Prosseguiu o Gótico.
- Aquela
descoberta sobre grãos de café que mudou a dedicação de sua vida. – Disse
Geléia, quase esperançoso.
- Ou aquela garota que você nunca
devia ter deixado ir... – Lamentou o Artista se lembrando de tudo que estivera
pensando recentemente.
E o dia se prosseguiu assim.
Desse jeito estranho, anormal, diferente, fora do comum e mesmo tendo todos os
lamentos e felicidades do passado vindo a tona, ninguém poderia dizer o que
estava acontecendo.
Ao fundo, o Velho sorria como
sempre e enquanto Viras, o cão, olhava curioso para os amigos que observavam ao
dia pela janela, o Velho acariciava sua cabeça. Ao perceber o olhar inquisitivo
de seu amigo animal, soltou uma leve risada e disse:
- As vezes você acha que existe
algo errado com o mundo, garoto, e você não consegue dizer para si o que é. –
Disse com firmeza, fazendo Viras voltar a atenção para seu rosto enrugado. –
Mas na verdade... Você sabe muito bem que existe algo de errado dentro de você.
"Os três ficaram olhando pela janela enquanto o mundo cinza parecia parado e imutável." |