O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Senhor Chuva


            Já fazia um tempo que um cliente especial estava frequentando o Café do Geléia. Era um homem com um sorriso sereno, olhos calmos e sempre com um sobretudo preto. Mesmo sendo um homem que não chamava muito a atenção, era, no mínimo, um homem misterioso, principalmente pelo fato de parecer um conhecido do Velho, com quem passava horas conversando. Também era misterioso o fato de estar chovendo sempre que o homem visitava o estabelecimento.
            Este era mais um destes dias de chuva frequentados pelo homem que se apresentou para Geléia como “Senhor Chuva”. Em seu canto, sentado e escrevendo, estava o Artista. Ele estava incomodado, pois o Senhor Chuva estava dividindo uma mesa e um cappuccino com a Cineasta que ria, virava o rosto, se acomodava e continuava a conversa com mais risinhos. O Artista tentava se concentrar na sua história onde tudo era como ele queria que fosse mas estava impossível. As risadas dela estavam sendo filtradas em meio aos sons de outras pessoas e chegavam dolorosamente aos ouvidos do pobre Artista tímido.
            Foi assim durante três semanas. Esse tempo todo a Cineasta nem passava ao lado da mesa do cada vez mais deprimido Artista e ele se afundava em sua cadeira, buscando um conforto que, provavelmente, não existia. Choveu na rua e no coração do Artista durante três semanas e o Senhor Chuva trazia consigo uma aura quase mágica que não ajudava na recuperação do Artista. Estranhamente, na última semana começou a chover menos, como se durante as visitas do Senhor Chuva, a própria chuva fugisse dele a cada entrada e saída pela porta.
            Certo dia nesta última semana, acompanhado de uma fina garoa, daquelas que esfriam seu rosto com as pequenas gotículas de água fria que se misturam ao vento, o Senhor Chuva estava sozinho em sua mesa, olhando para a rua lá fora. O Artista pediu ao Geléia o seu costumeiro café, mas desta vez pediu uma porção de bolinhos de chuva e, após recebido o pedido, foi se sentar na mesa do Senhor.
            - Boa tarde. – Ele disse já se sentando.
            Os olhos calmos se encontraram aos olhos casados do Artista.
            - Olá, jovem.
            - Se importa se eu sentar?
            - Você já sentou não é mesmo? – respondeu Senhor Chuva com um sorriso maior que o de costume.
            - Eu só queria saber uma coisa...
            - O que trás uma figura como eu para um café simples como este?
            O Artista levantou uma sobrancelha.
            - Quase isso. Só queria saber o que um homem da sua idade quer com uma garota como aquela com quem tem falado quase todos os dias.
            - A garota dos óculos escuros?
            - É.
            Senhor chuva se reclinou em sua cadeira e olhou para a grande janela, examinando o quadro movimentado que era a cidade lá fora. Deu um gole em seu café e disse:
            - Ela é legal. – Começou – Sabe, quando você está a tanto tempo quanto eu vivendo sem contato com pessoas, a primeira que fala com você já causa um alívio quase que instantâneo. Ela me falou sobre muitas coisas que perdi enquanto estive fora...
            O Artista o olhou apertando os olhos.
            - Ok, mas... O que exatamente você quer com ela?
            O Senhor tomou mais um gole de café.
            - Nada. Eu estou aqui de passagem. Daqui a pouco a chuva vai embora e eu também... Só preciso coletar os pecados e consciências pesadas que as águas dos céus passam para limpar.
            - Parece um trabalho solitário.
            - É. O pouco de sentimento que tenho é quando posso ver o resultado de minha coleta... Mas o coração aquecido por emoções logo é esfriado quando jogo as emoções fora.
            O Artista se sentiu diante de uma presença muito misteriosa e poderosa. Pensou mais uma vez na Cineasta e o Senhor Chuva logo lhe disse.
            - Você me parece perturbado, amigo.
            O Artista ficou quieto. O homem se levantou, pegou um bolinho e disse:
            - Saia lá fora... Deixe que a água limpe sua alma.
            Piscou um olho para o Artista, mordeu um bolinho e se retirou.
            O jovem ficou no Café por mais um tempo e pensou em tudo que estava acontecendo em sua vida no momento. Pessoas que vem em vão, coisas que ele parecia estar perdendo, pessoas que ele queria confiar mas parecia não poder, pessoas que ele achava conhecer e etc. Todos lhe diziam para sair e ver o mundo como se ele fosse um tolo que não aproveita os frutos da vida. Lembrou das pessoas que o cercavam que pareciam não prestar mais atenção nele, mesmo em um conversa entre dois. Pensou no trabalho e no como era frustrante não se achar tão bom quanto aqueles que admirava. Lembrou dos amigos que foram embora. Pensou naquela garota que ele mandou embora quando estavam se dando bem e pensou agora no coração solitário que estava abrigando. Pensou em tudo e tudo começou a subir para a sua cabeça. Foi então que, como em um disparo, ele saiu do café para ir até a chuva forte lá fora. Após abrir a porta seus passos eram acompanhados por respingos de água e jorros causado pelos passos em pequenas poças. Passando pela calçada, atravessando a rua e indo em direção a praça ali perto o Artista ficou ensopado. Chegando na praça, ele parou e jurava que podia sentir cada gota que caía em seu corpo. Podia ouvir cada melodia feita pelos individuais pingos. Era tudo música, a melodia da vida. Ele abriu os braços e deixou a água cair em seu rosto enquanto ele o virava para o céu, fechando os olhos e pensando em tudo que pensara antes. Apagou.

            Acordou depois de muito tempo dentro do Café do Geléia. Todos o olhavam enquanto ele acordava com um sorriso bobo no rosto e, quando ele percebeu isso, arregalou os olhos e se levantou, causando espanto em todos ali presentes.
            - O que aconteceu?
            - Eu te achei desmaiado na praça, cara – A Cineasta falou tocando seu ombro – Cê tá bem?
            Ele estava ótimo. Parecia que sua alma estava novinha. Ele queria sorrir e o fez sem vergonha.
            - Estou ótimo, obrigado. – E se levantou.

            Semanas depois, o Senhor Chuva não apareceu. E não parecia que ia voltar. O Artista estava calmo, mas um certo dia quando estava se preparando para ir embora estava pensando o que tinha acontecido com o Senhor Chuva. Quando estava passando pela porta, o Velho o chamou e começou a dizer:
            - Ele não vai voltar tão cedo, sabe?
            O Artista parou e olhou para o Velho, enquanto ainda segurava a porta.
            - Ele é muito ocupado, mas gostou de você. Até deixou uma mensagem.
            O Artista levantou os olhos e disse:
            - O que ele disse?
            - Ele disse para não se preocupar com sua amiga. Que o dono do coração dela está bem diante dela. Ela só precisa tirar os óculos.
            Com um sorriso, o Artista saiu para encarar o mundo, mas o Velho sussurrou com um sorriso esperto e para si mesmo.
            - Afinal quem precisa de óculos escuros depois dessa chuva?

"Chegando na praça, ele parou e jurava que podia sentir cada gota que caía em seu corpo." 

3 comentários:

Julia disse...

Um banho de chuva pra limpar a alma... Taí o que eu

O gostoso do Café do Geleia é que ele me traz as melhores soluções :)

Genial como sempre, Jovinhaz!

NeveZ disse...

Man, essa sensação é simplesmente muito boa!!!!

GuRU disse...

Sério, muito loko mesmo!

Tenho certeza que jamais comerei um bolinho de chuva com o mesmo sabor ou tomarei chuva com a mesma irritação de outrora.

Saúde!