Comida.
Todos gostam de comer. Eu conheço pessoas que não gostam, mas eu sinceramente
acredito que elas ou estão mentindo ou elas estão mortas, muito mortas por
dentro. Uma coisa que comida faz com você é te engordar um pouco ou muito,
dependendo do quanto se gosta de comer ou do quanto o seu corpo coopera com o
seu metabolismo. No fundo, todos temos um pouco de espírito de gordo.
O Café do
Geléia é um lugar gordo. Geléia é gordo, o Artista é gordo, o Conde é gordo e
aquelas crianças, se não se controlarem com besteiras serão bons gordos também.
O Artista estava em uma mesa com o Conde e os dois conversavam dividindo cafés
e churros quando perceberam Helen sorrindo com um vídeo postado na internet.
Helen, diferente dos outros, era magra e uma pessoa que prezava pela sua “boa
forma”. O Artista gostava dela e conseguia levar altos papos com a mulher mas,
sinceramente, as vezes desprezava boa parte de seu pensamento sobre manter a
forma.
Helen era o
tipo de mulher que controlava direitinho tudo o que comia. Pesava com os olhos
e com a mente o seu prato em restaurantes self-service, lia a parte de trás de
todas as embalagens para se certificar que as informações nutricionais batiam
com sua atual dieta (sujeita a mudança conforme novas notícias sobre boa forma
saíam em revistas) e acordava mais cedo pelo menos quatro vezes por semana para
correr no parque. Reclamava quando engordava um quilo e, quando emagrecia o
mesmo ou mais, comemorava como se um parente tivesse sido curado de câncer. Era
uma pessoa legal, mas muito guiada pela sociedade em relação a seu corpo e
saúde.
O Artista
se levantou para ver do que a amiga estava rindo. Geléia e o Conde se
aproximaram também. Helen estava vendo um vídeo sobre uma menina que tinha o
seguinte projeto para sua própria vida: “Ficar gostosa”.
- Que
porcaria é essa? – Perguntou o Artista apontando com desdém a tela do
computador.
- Ah, essa
menina é o máximo! Ela está emagrecendo. Já está se sentindo super bem consigo
mesma e sorri bem mais. Está muito mais feliz. – Disse Helen, orgulhosa da
garota.
O Artista
ficou furioso. Sua cabeça começou a rodopiar com ideias e palavras.
- O que diabos significa “ficar
gostosa”? Ao meu ver, ser gostosa varia de mulher para mulher, cada uma com seu
jeito, cada uma com suas qualidades e cada uma com seus charmes. A sociedade
impõe a ideia de que mulher gostosa é mulher magra com uma bunda grandinha e
seios fartos e isso acaba com a auto-estima de qualquer uma que esteja fora dos
padrões, forçando-as a fazer dietas absurdas e tomar rumos de vida que elas
mesmas não querem só para não serem “mal vistas” pelas colegas de trabalho ou
amigas na escola.
Helen olhou impressionada para o
rapaz. O conde fechou os olhos, cruzou os braços e concordou de forma
imponente.
- Além disso – Começou o
aristocrata – Ela está mais feliz? Então todo gordo é infeliz, minha cara? Ora,
veja bem, gordos outrora eram vistos como símbolos de fartura, sucesso e
virilidade! E eu e meus amigos gordos aqui? Não somos felizes? Parece que para
este mundo cruel e corruptível não somos nada além de escória e piada de maus
gosto! – O Conde começava a se exaltar.
- Mas,
gente! Ser gordo não é legal! – Helen foi fuzilada com olhares de reprovação. –
Eu gosto muito de vocês, meninos... Mas vocês não são saudáveis, né! Colesterol
alto, pressão alta, não conseguem correr... Isso e outras coisas...
Geléia
suspirou. O Artista, massageando os olhos disse:
- Helen...
Eu sou gordo. Eu peso exatos 112 quilos. Sim, eu não corro, mas também não
quero ser maratonista. Meu coração está em perfeito estado, minha pressão
arterial está normal e eu não tenho colesterol alto e mais nenhum problema.
Mas, de acordo com o que você está falando eu sou infeliz e totalmente
não-saudável...
Helen ficou
sem palavras. Pegou seu laptop e começou a se levantar.
- Certo...
Talvez não hoje, mas um dia vocês podem se arrepender desse estilo de vida...
E a garota
saiu pela porta da frente, deixando em uma mesa apenas os seus colegas gordos.
Dois deles nervosos.
Depois o
Artista começou a concluir:
- Talvez um
dia eu fique mal, sim...
Geléia
interveio:
- Acho que
o importante é ser feliz e saudável... Gordo ou não.
- E acho
que ser feliz já é saúde o suficiente. Eu não me sentiria bem controlando o que
como e bebo. E eu com certeza não me sentiria bem fazendo exercícios... Eles me
irritam.
- Serei
gordo, farto e feliz enquanto minha vida e minha riqueza permitirem! – Bradou o
Conde.
Geléia se
levantou rindo e voltou ao trabalho. O Artista disse com um sorriso orgulhoso:
- Um dia eu
vou morrer. Melhor morrer gordo do que viver magro!
E tomou um
longo gole de refrigerante.
"O Artista ficou furioso. Sua cabeça começou a rodopiar com ideias e palavras." |
Um comentário:
Pelo que posso concluir até agora, acho que não conseguirei ser gordo (acreditem, levo uma vida gorda), mas meu espírito com certeza é de um! E eu sou muito feliz assim!
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