A tarde
estava bem agradável no Café do Geléia. Não estava muito quente lá fora e a
recente chuva havia trazido consigo uma boa umidade para o ar e uma brisa bem
refrescante que, combinada com as cores e sons da cidade, davam um clima bem
peculiar e relaxante para os clientes do café.
Geléia
estava na porta do estabelecimento apreciando um de seus fumos doces de
cachimbo (Um hábito que havia adquirido a pouco) e observando a rua bem
iluminada pelo sol poente a sua frente. O som molhado dos pneus dos carros na
rua era uma melodia urbana única e relaxante apenas para aqueles que gostam de
verdade da vida tumultuada na cidade. Enquanto tentava soltar anéis de fumaça
em sua porta, Geléia viu o carteiro se aproximando, desta vez mais tarde do que
de costume.
- Boa
tarde, Geléia! – Disse com um sorriso jovial.
- Boa
tarde. Sem muita correspondência, imagino...
- Na
verdade desta vez o senhor tem algumas... Aqui estão. – E entregou um pacote
junto de algumas cartas para o gerente, que agradeceu e entrou no café,
segurando o cachimbo com os dentes.
Geléia
colocou sua correspondência no balcão e começou a abri-la. Contas. Um livro
encomendado pela internet (Geléia havia começado a usar banda larga a pouco
tempo e estava adorando. Seu bolso não gostava muito da idéia). Algumas cartas
de pessoas conhecidas e queridas e outras de pessoas cujas presenças não faziam
muita diferença na vida do gordo. Mas então uma carta se sobressaiu entre as
outras... Um papel simples, sem remetente, um pouco amassado e com uma
coloração meio amarelada pelo tempo.
O gerente analisou
o envelope por um instante e, deixando todo o resto da correspondência de lado,
começou a abrir a carta misteriosa. Era uma folha de caderno um pouco mais
grossa que o comum e sem pautas. Estava muito bem dobrada e sua superfície era
bem lisa. Geléia começou a ler o manuscrito:
“ Saudações, Geléia...
O senhor
não me conhece pessoalmente, mas eu já o vi em algumas pouquíssimas ocasiões.
Imagino que não se lembraria de mim, considerando o número de clientes que o
senhor atende todos os dias. Lhe envio esta carta como um agradecimento.
Sabe, faz
poucos meses que frequentei o seu café pela última vez. Devo lhe parabenizar
pelo clima agradável que proporciona a todos os que passam por aí. Seu
estabelecimento é como um lar fora de casa. Algo mágico. Mas enfim, quando fui
ao seu café pela primeira vez, eu estava abalado com um relacionamento
recente... com problemas de saúde também e, por mais que eu tentasse, eu não
consegui aproveitar a atmosfera que você, como todo carinho do mundo, queria
proporcionar. Eu estava desmoronando e lugar nenhum podia impedir o
sentimento...
Mas depois
eu fui visitar o local de novo. Sem a menor intenção. Eu estava andando sem rumo
e parei em um café. Qual foi a minha surpresa ao descobrir que aquele café era
o seu, Geléia. Mas o local me trazia memórias ruins, daquela outra vez em que
me sentia em pedaços e logo saí correndo de lá... Sinto muito por isso...
O tempo passou e minha depressão foi sumindo (Com ajuda de
muita terapia e de amigos agora muito próximos). Um dia resolvi voltar ao café.
E foi lá que eu vi a magia. As pessoas conversavam entre si como grandes amigos
reunidos em uma casa. Podiam conversar sobre o que quisessem e o aroma do café
era quase o aroma de um lar. Era possível ver que o lugar abrigava a todos...
Artistas, mochileiros, alternativos, idosos misteriosos e até pessoas que
pareciam vir de outras épocas... Mas principalmente, você abriga aqueles que
não tem para onde voltar.
É meu
amigo... Eu vi que minha carta de alguma forma chegou às suas mãos e logo foi
parar em sua parede como parte de sua decoração. Por isso vim lhe agradecer.
Você deu um lar às minhas palavras e me fez perceber que eu também tenho um
lar.
Ah, você
deve estar curioso... Sim, ela foi me visitar. Mas só depois de muitas lágrimas
percebemos que somos altamente contrastantes e que nossa relação não teria dado
certo. É triste, eu sei... Mas não podemos forçar algo que nunca daria certo não
é mesmo?
Enfim,
obrigado por me proporcionar um nova perspectiva de vida, amigo!
Lhe desejo tudo de bom! Para você e todos que visitarem seu formidável Café.
Lhe desejo tudo de bom! Para você e todos que visitarem seu formidável Café.
Um abraço a
quem puder interessar!”
Geléia
terminou de ler e abriu um grande sorriso. Seu sonho estava dando certo e ele
finalmente proporcionava aquilo que sempre quis proporcionar aos clientes.
Viras
chegou dos fundos, arfando, e Geléia abaixou para fazer um pouco de carinho no
vira-latas.
- Sabe,
amigo? – Disse por fim – Eu nunca achei que o simples gesto de servir um bom
café me traria tanto conforto.
Olhando
para a carta o gerente concluiu:
- Acho que
só precisamos de conforto para saber superar muitos problemas.
"Era uma folha de caderno um pouco mais grossa que o comum e sem pautas." |
Para melhor entender este texto, leia o conto A Quem Possa Interessar...
Um comentário:
Eu preciso de um pouco de conforto! Quem sabe resolvo algumas coisas!
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