Todos já tiveram contato com jogos de tabuleiro. Eles estão em nossa cultura faz gerações e quando o ser humano atinge uma certa idade, ele joga jogos de tabuleiro. Desde “Detetive”, “Jogo da Vida” e “Banco Imobiliário” até os jogos mais obscuros que só se consegue importando. Mas os clássicos nunca morrem e não importa que jogo esteja sendo jogado pela maioria, sempre há alguém jogando xadrez.
Era uma noite calma e a temperatura era agradável para se tomar um café no bom e velho estabelecimento. O local estava movimentado e como era de costume naquele dia da semana, as pessoas estavam jogando jogos de tabuleiro. O Artista estava jogando “Perfil” com a Cineasta. Diego, Ernesto e Tremoço estavam jogando “Banco Imobiliário” e Ernesto estava ficando muito nervoso. Menino Ottis, K.D., Thelma e Gregório estavam jogando um jogo que parecia complicado por conter miniaturas e mapas. Todos estavam fazendo algo do tipo enquanto apreciavam suas bebidas, menos o Viajante.
Ultimamente todos perceberam que sua Bagagem Emocional estava maior e o homem agora custava a levá-la de cá para lá. Ele estava ali parado bebendo seu café preto quando viu um velho em um canto remoto do estabelecimento, sentado e com um sorriso estampado no rosto enquanto olhava para um tabuleiro de xadrez montado à sua frente. O Viajante viu o que todos estavam fazendo e, vendo que o velho estava tão quieto quanto ele, decidiu se aproximar.
- Boa noite, senhor. – Arriscou.
O Velho levantou o rosto para que o Viajante visse seu semblante por debaixo do chapéu.
- Sim, meu jovem? – Ele disse abrindo de leve os olhos.
A pele negra do homem tinha rugas que lhe davam um ar centenário. E o cabelo branco era impecável e da exata mesma cor de sua roupa.
- Se importa se eu jogar uma partida com o senhor? – Perguntou o Viajante se apoiando na cadeira.
- Sim, por favor. Sente-se.
Ele se sentou e se ajeitou. Começou a olhar o tabuleiro enquanto ao fundo de sua visão o velho se voltava lentamente para a mesa e trazia a cadeira mais para perto. Seu sorriso não sumia. Os dois ficaram se olhando até que o velho gesticulou para o homem.
- O desafiante começa. Por favor, jovem.
O Viajante foi tocar em sua primeira peça, o Cavalo, quando o velho o interrompeu:
- Tome seu tempo, garoto.
Mas ele já havia pensado em sua jogada e mexeu sua peça. O Velho o fez com a exata mesma rapidez e o jogo assim se seguiu. Talvez pela inexperiência do Viajante, ou talvez pelo conhecimento do senhor sobre o jogo, ele perdeu e ali ficou olhando o tabuleiro tentando entender onde ele errou.
- Você é bom, senhor.
O senhor começou a ajeitar as peças e deu uma leve risada com a voz rouca, digna de um cantor de blues.
- Quer tornar o jogo mais interessante? – Perguntou o velho enquanto ajeitava o Rei.
- O que tem em mente?
- Você não terá nada a perder além do jogo. Mas se ganhar de mim eu te dou algo de muito valor.
- E isso seria?
- Algo de muito valor. Acredite. – E abriu um sorriso levemente amarelado.
- OK. Eu topo.
E eles jogaram mais uma, duas, três partidas naquela mesma noite. O Viajante perdeu todas e franzia a testa a cada novo jogo enquanto o velho simplesmente sorria e dizia para ele ir com calma e pensar em seus próximos movimentos. Quando já estava tarde o Viajante se retirou e o velho continuou por lá com seu sorriso e o tabuleiro sempre montado à sua frente.
Toda semana o jovem ia até o Café com o intuito de jogar com o velho e toda semana ele perdia. Ele praticou e praticou jogando sozinho e com outras pessoas, mas ele sempre perdia do Velho. Começou a vir mais vezes ao longo da semana, cada vez mais determinado a ganhar ao menos um jogo. Todos perceberam duas coisas nesse tempo todo: Uma era que a cadeira à frente do velho nunca era tomada por ninguém além do Viajante, outra era que a Bagagem parecia cada vez mais leve.
Foi em um fim de tarde muito bonito e sob um céu laranja flamejante que o maior jogo aconteceu. O Viajante veio com a determinação de sempre, disposto a derrotar o Velho e se sentou na cadeira, fitando o tabuleiro grande que se estendia a sua frente.
- Lembre-se: sem pressa. Pense em seus movimentos.
O Viajante concordou com a cabeça e começou mexendo sua primeira peça. A partida estava acirrada, peça atrás de peça era tomada pelos dois jogadores e a partida se estendeu e se estendeu até o sol dar espaço a lua para ela ascender cada vez mais. As pessoas começaram a se reunir em volta da mesa para ver as jogadas até que... Xeque-Mate! O Viajante havia conseguido!
-... Ganhei? Rá! Ganhei! ...não acredito... – Se esparramou na cadeira.
O Velho gargalhou e disse aos risos:
- Sim, você ganhou, meu jovem e como prometido eu lhe daria algo de valor.
O senhor colocou a mão no bolso da camisa e de lá tirou uma moeda e a deu ao Viajante que a olhou incrédulo.
- Uma moeda? – Era uma moeda de cobre tão velha quanto a humanidade. Não tinha um valor escrito e o rosto talhado nela era indecifrável. Ele não sabia o que fazer com aquilo, mas guardou da mesma maneira, como símbolo de uma vitória.
- Obrigado, senhor. – Ele se levantou e pegou sua Bagagem enquanto se dirigia para fora do Café. – E a propósito, bom jogo, hein? – Sorriu. O Velho sorriu de volta.
Ele ficou olhando a moeda enquanto se dirigia à porta e foi parado por um homem vestindo um terno muito bem cortado.
- Com licença, meu amigo, mas não pude deixar de notar a moeda em suas mãos. Será que eu poderia dar uma olhada?
O Viajante deixou e o homem a olhava fascinado.
- Meu amigo. Estou disposto a lhe dar algo por ela! Veja bem, esta é a moeda que falta para eu completar uma coleção iniciada à muito tempo... E eu estaria disposto a dar algo de valor sentimental por ela. – O homem mexeu nos bolsos e tirou um simples botão branco. – Pertencia ao uniforme do meu pai que faleceu durante seu tempo de serviço no exército...
Com espanto no rosto, o Viajante aceitou o botão e disse com um sorriso nostálgico no rosto:
- Troco com a maior honra, senhor. Este botão era o que faltava para a coleção que comecei com meu irmão quando éramos jovens... Eu sempre quis completá-la... Obrigado. Mesmo!
Dito isso, os dois partiram. E o Velho deu mais uma risada.
Geléia veio ao lado do velho lhe trazendo seu café com leite e perguntou sorrindo:
- O que fez desta vez, senhor?
Ele sorriu e disse:
- Eu apenas o ajudei a apreciar um jogo. Ele carregava muita mágoa e culpa consigo.
- Rá, rá! Acho que quando focamos nossa força de vontade em algo novo, tendemos a nos esquecer de sentimentos que no fundo...
- Só fazem peso. – Concluiu o velho
Os dois sorriram juntos enquanto o Velho apreciava sua bebida.
"Lembre-se: sem pressa. Pense em seus movimentos." |
2 comentários:
Ótemos, John. Realmente acredito no poder do Novo.
Acredito no poder dos Jogos!
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