Todos nós gostaríamos que nossa vida fosse um filme. Nos filmes tem todo um desenvolvimento empolgante na história, onde os heróis, que seríamos nós, somos introduzidos ao público, mostramos nossa vida, passamos por dificuldades e tudo fica lindo no final. Se tudo fosse um filme os dias ficariam lindos quando algo lindo fosse acontecer, choveria quando alguém morresse e nevaria naquele momento de reconciliação com a pessoa que você ainda ama. Tudo com direito a uma trilha sonora. Infelizmente na vida real só podemos colocar os fones de ouvido e achar que aquilo é uma trilha sonora para um dia como qualquer outro em que está ensolarado mesmo estando tudo um saco. Estranhamente, as vezes acontece de algum “poder maior” ajudar a tornar tudo mais interessante. Por bem ou por mal.
Era uma tarde de poker e de leve chuvisco no Café. O Artista, a Cineasta, Ernesto, Tremoço, Diego, o Conde e o Gótico estavam presentes em uma mesa redonda com fichas e cartas dispostas por toda a tapeçaria verde que forrava a velha mesa de madeira. O barulho das fichas se misturava ao som de copos e xicaras em pires. A conversa do resto da clientela era um som suave ao fundo e não desconcentrava os jogadores que faziam suas maiores caretas para não entregar seu jogo. A Cineasta estava ganhando. Os outros estavam dizendo que ela estava roubando.
- São os ocúlos! – Dizia ela enquanto se apossava da pilha de fichas jogadas sobre a mesa.
A chuva apertou lá fora e, não mais do que de repente, a porta do café se abriu levemente, trazendo consigo uma brisa fria e alguns respingos de água. Helen parou ao dar um passo para dentro do café e deixar seu guarda-chuva preto no porta guarda-chuvas. Todos mudaram os semblantes ao olhá-la toda vestida de preto e com um ar tristonho em seu rosto geralmente jovial. Ela caminhou a passos curtos em direção ao balcão, passando pela mesa de jogo. Todos, com suas feições preocupadas, pensaram em perguntar algo mas nada fizeram. Porém, enquanto o Gótico sorria tortamente, Menino Ottis perguntou:
- Qual o motivo dessa cara, Helen?
A mulher o olhou e sorriu com um esforço. Depois de dar um tapinha no ombro do garoto, virou seu rosto para Geléia que estava no balcão e disse com lágrimas nos olhos:
- Fredo faleceu...
- O cara de “O Poderoso Chefão”? – Disse o Artista, que se amaldiçoou depois de ter feito uma piada naquele momento. Ninguém riu. Helen não percebeu.
Geléia se apressou para perto da amiga e a abraçou.
- Fredo era um amigo nosso... – Disse finalmente após um suspiro. Viras, o cão de guarda oficial do Café, entrou e se aproximou de seu dono, sentando ao seu lado – Tudo bem, Helen, querida. Lembra-se de como Fredo era alegre? Ele não gostaria de nos ver assim... Temos que honrá-lo contando histórias a seu respeito e sorrindo ao lembrar dele. Lembro-me de uma vez...
E Geléia começou a contar aos outros algumas histórias de seu amigo agora falecido. Helen conseguiu esboçar alguns sorrisos depois de histórias e da companhia de Viras, mas dado algum tempo ela disse:
- Obrigado, Geléia. Agora... que tal um pouco daquele seu delicioso café para aquecer esta alma cansada? – E, como nos filmes, a chuva começava a parar e dar espaço para um sol poente que derramava sua luz nas nuvens carregadas, e trazia o tão aquecido tom laranja em todo o mundo banhado por sua luz. A cena cinematográfica foi suficientemente forte para arrancar uma lágrima do Conde.
Geléia foi ao balcão com sua amiga e a serviu de seu café costumeiro. Ela o bebericava enquanto fazia carinho no cão que não deixou seu lado.
- Tudo bem com você, Helen? Quer conversar?
Ela depositou a xicara no pires e respondeu com um sorriso:
- Obrigado, Geléia, mas prefiro ficar com o Viras por enquanto. Obrigado. Eu não me lembrava que você tinha tanta vivencia com o Fredo...
O Gerente sorriu e se dirigiu a mesa de poker. Todos o olharam e começaram a dar os pêsames pela perda do amigo. O Artista disse:
- Vocês deviam ser bem próximos... Sinto muito.
Geléia o olhou e respondeu com o riso paterno de sempre:
- Você acredita se eu disser que nem sabia de quem ela estava falando?
"Fredo faleceu..." |