O "Café do Geléia", fundado por Giovanni Di PaZZo, começou como um pequeno café na esquina da rua Orlontis com a rua Coronel Verde. Servindo apenas poucas variações do simples café o lugar foi ganhando fama devido ao seu ambiente altamente aconchegante contendo fotos de viagens feitas pelo "Geléia" (apelido carinhoso de Giovanni), relíquias e artefatos adquiridos em suas diversas aventuras pelo mundo em busca do melhor café que existia. Certo ano, Giovanni conseguiu por métodos misteriosos o melhor café que os que ali passavam já haviam provado e começou a plantá-lo e serví-lo em seu pouco famoso "Café do Geléia". O lugar ganhou fama pelo seu café fabuloso e pelo ambiente que sugeria um conto de histórias entre amigos. Agora vivemos estas histórias... Bem vindos ao "Café do Geléia".

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Crenças


            Horário de almoço. O café estava sempre vazio nesta hora, afinal quem preferiria comer alguns salgadinhos e tomar um café deixando de lado a feijoada que era servida, todas as quartas, em estabelecimentos ao redor? Estavam no café apenas uns poucos clientes costumeiros e um ou outro homem de terno, daqueles que sempre diz que está sem tempo.
            Menino Ottis estava, como em poucas vezes, sentado na mesma mesa que o Artista. O jovem mantinha os dedos entre os olhos, em movimento de massagem, como se tentasse espremer alguma ideia de sua cabeça turbulenta. Outros achariam que tudo que ele estava tentando fazer era abstrair o barulho que Menino Ottis fazia com o brinquedo que havia escolhido para trazer hoje ao Café.
            - Você gostou mesmo desse tanque de guerra, hein? – Perguntou o Artista tentando soar o mais carismático possível.
            Menino Ottis olhou para o Artista com um grande sorriso e disse:
            - É um APC. Veículo de controle urbano! Tem até uma metralhadora, olha! – Fez sons de tiro enquanto mirava a arma para o Artista. – E o que torna ele melhor é que ganhei do Papai Noel no ano passado!
            - Parece bem legal mesmo! – Disse o Artista tentando voltar a atenção para o seu caderno.
            O Gótico passava ao lado com o olhar triste de sempre, uma mão parecendo uma garra e a outra carregando um copo comprido com um liquido verde dentro quando disse ao menino que brincava alegre:
            - O Papai Noel não existe, sabia?
            Um copo fez-se ouvir quebrando atrás do balcão. O silêncio se tornara uma entidade plausível e palpável. O Artista tirou sua atenção do caderno se voltando com olhos vítreos para o Gótico. A Cineasta limpava uma lagrima de seu rosto e tentava retomar o folego enquanto se aproximava da mesa para se sentar. Ottis era como um monólito. Com olhos fixados no nada, sua alma parecia um ovo espatifado no chão da cozinha. Enquanto o garoto andava em passos largos e pesados na direção do balcão, o Artista e a Cineasta confrontavam o Gótico.
            - Por que falou isso, cara? – Perguntava a Cineasta, ainda incrédula.
            O Gótico a fitou com seu clássico olhar pesado de que nada valia a pena.
            - Por que é a verdade... – Bebericou um pouco de seu absinto.
            - Ah, qual é! Todos nós aprendemos isso um dia, mas não precisa acabar do nada com as crenças do garoto! – Ela coloca de volta seus óculos.
            O Gótico estalava os lábios em gesto de degustação. Carregava o copo rente ao corpo como um faraó faria com seu cetro. Sua figura estática parecia um mau agouro ficando em pé ao lado da mesa onde os dois jovens se sentavam.
            - Mas se ele vai aprender isso uma hora ou outra, que diferença faz se aprender agora?
            A Cineasta franziu a testa.
            - A diferença é que ele vai achar a vida muito mais divertida e mágica enquanto ele acreditar no Bom Velhinho. – Disse o Artista tomando lado na discussão.
            O Gótico nem se deu ao trabalho de responder. Sabia que seus pensamentos, certos em sua cabeça, eram mal vistos por todos ali dentro.
            - Você com certeza já acreditou em algo, homem! – A Cineasta quase gritou ao saltar da cadeira para segurar a gola do Gótico.
            O homem então se lembrou. Se lembrou de quando era garoto em sua casa dilapidada que ele tanto adorava. Se lembrou do medo que ele sentia ao ouvir falar do Vampiro no sótão e nos lobisomens que rondavam a casa de noite. Lembrou-se do como a vida era emocionante naquela época em que tudo dava medo e era uma aventura correr para o sótão para buscar um brinquedo antigo ou vasculhar a história da família tão desorganizada.
            Um vento gélido soprou para dentro do estabelecimento e os óculos da Cineasta trincaram. Ela olhava para o Gótico e jurava ter visto uma lagrima de gelo caindo de seu rosto, mas não sabia se podia confirmar o ocorrido. Todos estavam em silêncio mais uma vez.
            - Acho que... Tem razão. A vida era mais mágica quando o místico ainda era real... – Disse o Gótico se dirigindo a um canto escuro que surgira de repente.
            A Cineasta e o Artista se entreolharam.
            - Na boa? Esse cara me faz questionar se não acreditamos mesmo nesse tipo de coisa... - Concluiu a jovem.
            E a contradição se fez presente em todas as mentes.

            Enquanto isso, Menino Ottis se sentava no balcão, emburrado e com seu brinquedo a sua frente. Mexeu ele para frente e para trás em desanimo enquanto Geléia limpava o balcão com um sorriso paterno em seu rosto. O sorriso foi o suficiente para fazer Ottis tomar coragem e perguntar:
            - Geléia... O Papai Noel não existe?
            O gerente o olhou, fez um carinho na cabeça do garoto e disse por fim:
            - Se ele não existisse... Quem te daria esse brinquedo que você tanto gosta?

"O Papai Noel não existe, sabia?"

3 comentários:

Rica disse...

O gótico é tão dramático que é quase um super-poder dele!

Julia disse...

Isso me lembra um diálogo num Natal entre eu, você e o Rica hahahaha :D

NeveZ disse...

Por mais que vc diga pra uma criança (até certa idade) que o Papai Noel não existe é dificil ela acreditar, não é?